A série de lives sobre a política municipal e as mudanças climáticas, produzida por ((o))eco em parceria com o Vote pelo Clima, teve início na noite desta segunda-feira (23). Nesta semana e na próxima, sempre às segundas e quartas, às 19h, reuniremos especialistas para discutir o que o poder público municipal pode fazer para considerar os efeitos das mudanças climáticas em temas-chave para a vida nas cidades.
Para discutir mobilidade urbana, tema da primeira transmissão, e avaliar a eficácia das políticas municipais que já vem sendo implementadas nessa área, a repórter Cristiane Prizibisczki recebeu Felipe Barcellos, engenheiro elétrico e especialista em mobilidade do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA); e Luize Sampaio, jornalista e coordenadora de comunicação da Casa Fluminense, organização que monitora políticas públicas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A conversa ainda contou com comentários de Clareana Cunha, mobilizadora sênior da organização NOSSAS.
Os temas das próximas lives serão Gestão de resíduos e saneamento, nesta quarta (25); Qualidade do ar e saúde, na próxima segunda (30); e Desastres ambientais e adaptação climática, na próxima quarta (2), sempre às 19h. As transmissões são feitas pelo canal de ((o))eco no YouTube, e ficarão disponíveis na íntegra. O Vote pelo Clima, parceira na organização das lives, é uma iniciativa promovida pelo Instituto Clima de Eleição e pelo NOSSAS para conectar eleitores a candidaturas comprometidas com a pauta climática em todo o Brasil.
Soluções para as altas emissões do setor de transportes
Felipe Barcellos, do IEMA, destacou a participação do setor de transportes nas emissões globais de gases do efeito estufa – 16% do total emitido no ano de 2021, atrás apenas do setor de eletricidade e calor, com 33%, segundo estudo da plataforma ClimateWatch. “O que a gente tem visto hoje é que as emissões de geração de eletricidade têm caído bastante, principalmente pela penetração de tecnologias renováveis, como usinas eólicas e usinas fotovoltaicas, e a mesma tendência de queda não ocorre nos transportes”, analisou.
“O Brasil, quando a gente pensa em emissões, o principal emissor é sim, ainda, o desmatamento. Mas, pela sua grande população, sua importância econômica, quando a gente olha para as emissões só da mobilidade, o Brasil é o quinto país mais emissor”, mostrou Barcellos, apresentando gráfico em que o Brasil fica atrás apenas de EUA, China, Índia e Rússia no quesito. “Isso, claro, é uma consequência do grande uso de automóveis e caminhões”, explicou, com dados que demonstram que esse nível de poluição é causado pelo consumo de combustíveis fósseis, como o diesel, líder em emissões no setor.
Para ajudar a mudar esse quadro, o engenheiro apresentou “três grandes ações” para a área que podem ser tomadas pelos poderes municipais, em ordem de prioridade: “evitar, mudar e melhorar”. “Evitar”, no caso, é evitar grandes deslocamentos motorizados, o que pode ser feito aproximando a população das regiões com maior oferta de emprego; “mudar” é promover o uso de formas alternativas ao transporte motorizado individual, como o transporte coletivo e o transporte ativo (bicicletas, por exemplo); e “melhorar” significa utilizar tecnologias e sistemas mais eficientes, como veículos elétricos e corredores exclusivos de ônibus.
“É bom que se diga que muito se fala do transporte elétrico, do carro elétrico, mas essa tem que ser sempre a última solução. Se não a gente vai, por exemplo, eletrificar toda a cidade e manter o status quo como a gente tem hoje, com grandes congestionamentos, grandes períodos de tempo perdidos no tráfego, e, principalmente, o espraiamento das cidades e a exclusão de uma grande parte da população, que tende a morar cada vez mais longe das oportunidades de renda, lazer e educação, e que com isso está sendo alijada do direito à cidade”, concluiu Barcellos.
Alto custo dificulta acesso ao transporte público nas periferias
Luize Sampaio, da Casa Fluminense, explicou que o tema da tarifa é a “principal motivação” da organização em seus debates sobre mobilidade, já que o alto custo tem sido um entrave ao uso do transporte público para moradores de áreas mais afastadas da Zona Sul e do Centro da cidade do Rio. “O transporte, desde 2015, passou a ser um direito constitucional, garantido por lei. E mesmo assim é um direito básico que nem toda a população tem acesso”, afirmou, apontando ainda para o sucateamento do serviço e problemas nos contratos de concessão (e até cidades em que empresas atuam sem contrato).
A jornalista lembrou que o transporte é intimamente relacionado ao direito à cidade, além de ser o “direito que dá acesso a outros direitos”, como cultura, lazer, saúde e tantos outros. “Fazendo essa reflexão principalmente durante a pandemia, olhando pro ônibus como esse lugar que virou um espaço de alto contágio – principalmente para os trabalhadores dos ônibus, mas também para as pessoas que não puderam parar durante a pandemia –, a gente começou a relacionar transporte, saúde e cidade”, testemunhou sobre o trabalho da Casa Fluminense.
“O DOT [De Olho no Transporte, relatório produzido pela organização que terá sua 4ª edição lançada na próxima quarta-feira] faz essa correlação. Primeiro ele fez um monitoramento de quais linhas de ônibus pararam de passar durante a pandemia; quais foram as regiões da cidade do Rio de Janeiro que foram mais afetadas – e aí a gente descobriu que essas regiões eram na Zona Oeste, a área mais afetada e mais periférica da cidade do Rio de Janeiro; e como isso estimulou a superlotação”, exemplificou.
“Depois desse monitoramento da falta de ônibus, a gente fez um monitoramento olhando mais fundo sobre como transporte e saúde tem a ver, pensando também em justiça climática. E usamos muito como base um estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade que mostrava que a cada 2h uma pessoa pode morrer por conta da poluição do ar na Região Metropolitana do Rio. Quando a gente chega com esse dado a gente começa a discutir saúde, transporte, cidade e clima, e aí faz um cruzamento ainda maior desses quatro eixos que são primordiais para a gente pensar Cidades 2030”, afirmou Sampaio.
“Nesse novo DOT que a gente vai lançar a partir de dados atualizados, a gente vai tentar correlacionar um pouco sobre o peso das emissões aqui na metrópole e como a gente pode construir alternativas para uma transição justa com proteção social”, projetou. “Esse DOT que a gente vai lançar tem esse objetivo de unir a transição energética com o processo de tarifa zero nas cidades”, concluiu a representante da Casa Fluminense.
Clareana Cunha, do NOSSAS, resumiu o ponto central das falas dos convidados. “Tem um ponto em comum entre todas as falas, que é: a gente precisa diminuir o número de carros nas cidades. O carro é um grande problema. A quantidade de trânsito é um grande problema. A quantidade de políticas rodoviaristas é um grande problema. As políticas públicas das grandes cidades estão voltadas para os veículos individuais. O que a gente vê é um incentivo às políticas que não vão mitigar os problemas”, criticou. “Quando a gente fala do Vote pelo Clima, a gente tem uma bandeira que é: transporte gratuito com menos emissões, e justo, de qualidade para as pessoas”, frisou.