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Operação Verão: câmeras corporais mostram ação da PM em chacina

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Operação Verão: câmeras corporais mostram ação da PM em chacina

Câmeras corporais do policiais militares envolvidos em uma das ações policiais da chamada Operação Verão registraram a chacina que vitimou cinco jovens, entre eles dois menores de idade, em fevereiro de 2024, no bairro Jardim Rio Branco, em São Vicente, litoral sul de São Paulo.

Nas imagens, reveladas primeiramente pelo portal UOL e obtidas pelo Metrópoles, é possível ouvir os diversos disparos de fuzil dos agentes e alguns dos suspeitos baleados dizendo que estava desarmado.

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Veja vídeo das câmeras corporais:

 

No registro, um dos baleados diz “sem arma, senhor”, antes de ser morto.

Morreram na ação policial Kauê Henrique Diniz Batista (17 anos), Luiz Henrique Jurovitz Alves de Lima (18 anos), Marcus Vinícius Jurovitz de Lima (17 anos), Peterson Souza da Silva Xavier Nogueira (32 anos) e Pedro Rosa dos Reis Junior (24 anos). Pedro chegou a ser socorrido com vida, mas não resistiu e morreu na sequência. Os outros quatro morreram ainda no local.

A reportagem especial do Metrópoles sobre a Operação Verão, chamada Baixada Sangrenta, já havia relatado a chacina. Um exemplo da brutalidade policial exposto pela matéria, indicada ao Prêmio Gabriel García Márquez de Jornalismo, é o da morte de Luiz Henrique Jurovitz.

O jovem de 18 anos foi fuzilados pelas costas com sete tiros. Os assassinos acertaram uma bala em cada panturrilha, um tiro na nádega esquerda, um disparo na lombar, três tiros nos braços (um no ombro, no meio e na parte posterior do braço) e um na cabeça, na altura do ouvido. Apenas um projétil foi encontrado pelo legista – balas de fuzil são transfixantes e atravessam o corpo da pessoa.

A suspeito é que o oitavo disparo, que acertou a cabeça do jovem, tenha sido um “confere”, como é chamado o tiro que costuma ser efetuado à curta distância, quando a vítima está caída, para acabar com qualquer chance de sobrevivência.

O corpo de Luiz Henrique ainda teve uma laceração de 22 centímetros na altura da bacia – ferimento provocado, muito provavelmente, pelos ossos que se desprenderam em decorrência do fuzilamento.

Nada foi recolhido no local da chacina, além de corpos, porções de drogas e armamentos que estariam em posse dos suspeitos mortos — dois revólveres e uma pistola. Também não foi feita perícia no local, como exige o protocolo, com o argumento de que havia risco de novos confrontos.

Segundo o boletim de ocorrência, obtido pelo Metrópoles, mais adiante na mata, um ponto de tráfico foi localizado e lá foram encontrados 68 porções de substância aparentando ser maconha, 55 pedras de substância aparentando ser “crack” e 77 porções (eppendorf’s) de substâncias aparentando ser cocaína, separadas e embaladas para venda, além da quantia de R$729,00 em espécie e cinco celulares, apreendidos.

No registro da ocorrência constam apenas informações sobre três policiais envolvidos na ação: Gabriel Henrique Rampim Natali, Luis Carlos da Silva Junior e Felipe da Cruz Fernandes de Almeida.

Segundo testemunhas, pelo menos 10 agentes participaram da ocorrência, incluindo policiais do Batalhão de Ações Especiais da Polícia (Baep), que se aproximaram da biqueira com as viaturas, e oficiais do Comando de Operações Especiais (COE), que aguardavam os alvos no matagal.

Além disso, testemunhas relatam que policiais militares tinham feito ameaças na véspera, por causa do sumiço de um drone que coletava imagens da região. Ninguém havia visto o tal “passarinho”, apelido dado pelos PMs ao equipamento, e, em menos de 24 horas, a ameaça se concretizou.

A chacina em São Vicente não foi o único caso que concentrou mortos em uma mesma comunidade na Operação Verão, que matou 84 pessoas – a mais letal da PM paulista desde os Crimes de Maio, em 2006, quando 137 foram mortos por policiais em todo o estado somente naquele mês, em reação aos ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC) que mataram 59 agentes públicos.

Baixada Sangrenta

Como mostrou a reportagem Baixada Sangrenta, série do Metrópoles indicada ao Prêmio Gabriel García Márquez de Jornalismo, quando o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, anunciou o fim da Operação Verão, divulgou números impactantes para sustentar o “grande resultado” do envio de tropas da Polícia Militar para “combater o crime organizado” no litoral paulista: mais de duas toneladas de drogas apreendidas, mais de mil pessoas presas, mais de uma centena de armas recolhidas do tráfico.

O balanço de Derrite desconsiderou a conta dos mortos baleados pelos PMs. Em 1° de abril do ano passado, o chefe das polícias de São Paulo anunciou uma “nova fase” do plano, com o reforço permanente de 341 homens na região de Santos, para não ter mais que “empregar efetivo de fora”, como havia feito naquela e em outra operação sangrenta na Baixada, executada seis meses antes.

Desta vez, 250 policiais militares desceram a serra em busca dos responsáveis pelo sumiço do agente de 21 anos. Embora não tenha sido batizada, a nova incursão escancarou o mesmo espírito de vingança que pautou a tropa tanto na Operação Escudo, no inverno de 2023, quanto na Operação Verão, entre janeiro e março deste ano. Juntas, elas deixaram 94 mortos.

Denúncias de abuso policial, com relatos de tortura e indícios de “execuções sumárias”, pululam desde a primeira incursão no litoral, que fez 28 vítimas fatais em 40 dias, no âmbito de um protocolo de operação criado como resposta imediata a ataques contra policiais no estado.

Ao todo, 38 Operações Escudo foram deflagradas em 2023 — nenhuma outra chegou perto da mortalidade vista na Baixada —, com o pretenso objetivo de “restabelecer a ordem pública” e prender os responsáveis pelos crimes. “Nenhum ataque a policial ficará impune”, justificou Derrite.

Os excessos motivaram a Defensoria Pública paulista e entidades de direitos humanos a acionarem a Justiça para que os PMs fossem obrigados a usar câmeras corporais nessas operações. O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). O grupo apelou até à Organização das Nações Unidas (ONU) contra a violência policial no litoral sul de São Paulo.

Embora tenha declarado não estar “nem aí” para os questionamentos, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) refutou qualquer associação da nova incursão na Baixada à primeira operação em 2023, a ponto de desautorizar o porta-voz da PM que havia anunciado a retomada da Escudo no litoral, “com todo rigor”, há cerca de 15 dias. Isso porque desde as 28 mortes de 2023, o plano original de Derrite estava maculado. Tanto é que o próprio secretário tratou de rebatizar a segunda descida da tropa à Baixada de “fase três” da Operação Verão, uma ação que historicamente é feita todo ano durante a estação de calor para coibir crimes nas áreas turísticas do litoral.


Ministério Público manteve arquivamento

  • No início deste mês, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) manteve o arquivamento dos inquéritos que investigavam a atuação dos policiais militares envolvidos nas operações Escudos e Verão.
  • “Depois de investigação ancorada no exame das imagens das câmeras corporais, na oitiva de testemunhas, na tomada de depoimentos para conhecer a versão dos agentes e na confrontação desses dados com os laudos periciais, decidiu manter o arquivamento”, informou o MPSP, em nota.
  • O arquivamento foi ratificado pela Justiça. Durante as investigações, foram realizadas oitivas de 92 pessoas, além de 330 filmagens analisadas e 167 interrogatórios, de acordo com a promotoria. No total, foram oferecidas sete denúncias contra 13 policiais militares.

O que diz a SSP

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou que a Operação Escudo “permitiu a prisão de importantes lideranças de facções criminosas, a captura de 388 foragidos da Justiça e de aproximadamente outros 600 criminosos”.

“Além disso, 119 armas de fogo, incluindo fuzis de uso restrito, foram retiradas das ruas, e cerca de uma tonelada de drogas foi apreendida. No âmbito da Operação Verão, outros 1.025 criminosos foram presos, sendo 438 procurados pela Justiça, e mais de 2,6 toneladas de drogas foram apreendidas”, afirmou a pasta.

Segundo a SSP, todas as ocorrências de morte durante as operações foram “rigorosamente investigadas” pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento das corregedorias, do Ministério Público e da Justiça.

“Todo o conjunto probatório apurado no curso das investigações, incluindo as imagens das câmeras corporais”, disse a secretaria.

“A atual gestão investe continuamente na capacitação do efetivo, na aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo e em políticas públicas voltadas para a redução da letalidade. Além disso, os cursos ao efetivo são constantemente aprimorados e comissões direcionadas à análise dos procedimentos revisam e aperfeiçoam os treinamentos, bem como as estruturas investigativas”, completou a nota.

Fonte: www.metropoles.com