A comissão de conciliação que discute, no STF, a lei 14.701/23, que instituiu o Marco Temporal das Terras Indígenas, debateu nesta segunda-feira (17) o Projeto de Lei Complementar (PLC) sugerido pelo ministro Gilmar Mendes, relator das ações que discutem a matéria no Supremo, em substituição ao texto aprovado pelo Congresso. E, embora tenha retirado menções explícitas ao Marco Temporal, Gilmar incluiu no texto outras medidas que limitam demarcações, além de liberar a mineração em terras indígenas, até em caso de discordância dos indígenas se os recursos forem “estratégicos” e o Congresso aprovar.
O texto, segundo Gilmar, é uma “tentativa de aproximação das partes”, buscando a “identificação dos pontos de consenso” entre as propostas apresentadas por 7 integrantes da comissão na reunião anterior, realizada no último dia 10. Na ocasião, foram feitas sugestões por Rudy Maia Ferraz, advogado de PL e Republicanos; Matheus Oliveira, representante da FUNAI; Célia Xakriabá (PSOL-MG), deputada federal que representou a Câmara dos Deputados; Bruna do Amaral, advogada do PSOL; Luís Inácio Lucena Adams, advogado do PP; Paulo Machado Guimarães, advogado dos partidos PT, PCdoB e PV; e Lara Loureiro Cysneiros Sampaio, advogada do PDT.
Mesmo sendo autora de uma das sugestões de texto apresentadas na reunião anterior, Célia Xakriabá, que é indígena, foi impedida de se sentar à mesa. Suplente da comissão, mas tendo comparecido a 12 das 16 reuniões anteriores, ela solicitava ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que a efetivasse como titular. Motta, porém, optou pela deputada bolsonarista Sílvia Waiãpi (PL-AP), que também é indígena, mas é favorável ao Marco Temporal e à mineração nos territórios – a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) repudiou a decisão, e inclusive pôs em xeque a identidade indígena da deputada do PL.
Em discurso para os presentes na reunião antes de deixar o local, Xakriabá lamentou a decisão. “Eu digo que é violento e colonial porque a senhora [Silvia Waiãpi] é a única pessoa [indígena] publicamente em favor do Marco Temporal. Essa é uma estratégia, porque poderia colocar qualquer um. Mas o Congresso Nacional, não. Quis usar a senhora, uma figura simbólica de ser uma mulher indígena, para contrapor um voto de violência. Essa é a mesma imagem da ditadura militar, em que foram violentados mais de 8250 indígenas”, afirmou.
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Já nas discussões, embora fosse a intenção declarada de Gilmar Mendes, não houve consenso. Pelo contrário. Segundo a Agência Brasil, representantes indígenas e da PGR, por exemplo, “se disseram surpreendidos pela inclusão da exploração mineral como uma possibilidade após a demarcação das terras indígenas”.
“Essa questão de mineração é algo que precisa de debate bastante aprofundado, inclusive em questões técnicas, que escapam completamente à seara jurídica”, declarou Eliana Torelli, representante da PGR. O Ministério dos Povos Indígenas (MPI), por sua vez, disse em nota que foi surpreendido pela inclusão do “tema da mineração com amplo detalhamento, apesar de o assunto não ter sido tratado ao longo de quase seis meses de trabalhos”. A pasta se coloca contrária à inclusão do tema na proposta, “cujo conteúdo não resultou de construção conjunta”.
“O texto apresentado não expõe consensos em relação aos tópicos e traz preocupantes inserções, que distanciam ainda mais os indígenas de seus legítimos interesses. O MPI sempre foi contra o marco temporal e reforça sua posição na defesa dos direitos indígenas sem negociação de direitos pétreos já assegurados”, afirma a nota do ministério.
A falta de consenso ficou evidente pelo alto número de destaques – artigos que serão discutidos individualmente na reunião da próxima segunda-feira (24), com sugestões de aprimoramentos pelas partes da comissão. 73 dos 94 artigos da minuta de projeto de Gilmar Mendes foram destacados, e uma sessão extraordinária já foi marcada para a próxima quinta-feira (27) para dar continuidade às discussões. Se não houver consenso sobre os destaques, os artigos irão à votação, valendo a decisão por maioria ,”com registro pormenorizado de cada posição adotada”.
A proposta que sair aprovada da comissão será “avaliada pelo relator e, em seguida, será posta para avaliação dos demais ministros do STF que votarão sua homologação” em plenário, segundo o site da Corte. Após a eventual aprovação no plenário, o texto irá para apreciação do Congresso.
Insatisfeito com a exclusão das menções à proibição de demarcação de terras não ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição, o deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), mais conhecida como bancada ruralista, classificou o Marco Temporal como “inegociável”, e afirmou que o Congresso retomará essa parte do texto.
“[O Marco Temporal] é condição sine qua non [“sem a qual não pode ser”, em latim] de qualquer tipo de negociação da nossa parte”, disse o ruralista na abertura da comissão. Depois, em entrevista à Rádio Agência, da FPA, o presidente da bancada ruralista afirmou que “se [o projeto] vier ao Congresso sem o Marco Temporal nós não vamos aprová-lo, vamos mexer no texto todo, e vamos continuar na mesma briga”, projetando uma aprovação inclusive da PEC 48/2023, que tenta estabelecer o Marco Temporal na Constituição.
“Nós não aceitamos que fique dessa maneira, e vamos ter que enfrentar o Judiciário para que entendam qual é o seu papel, qual é o seu lugar”, disparou Lupion.
A conciliação está sendo realizada no âmbito da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87, movida pelos partidos PL e Republicanos, e outros 4 processos apensados, movidos pelo PP (ADO 86, que propõe definir o que seria de “relevante interesse público da União” na exploração de riquezas naturais em terras indígenas, citado no parágrafo 6º do artigo 231 da Constituição, parte do capítulo sobre indígenas), pela Apib, que propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7582, além de PT, PCdoB e PV (ADI 7583) e PDT (ADI 7586).
A Apib, porém, se retirou da comissão em agosto do ano passado, alegando não haver garantias de proteção contra retrocessos com a conciliação, classificada como “forçada” pela organização indígena, e que este não seria um meio adequado para a resolução do problema. O STF, vale lembrar, chegou a declarar o Marco Temporal inconstitucional ainda em setembro de 2023, antes da aprovação do texto pelo Congresso, no fim do mesmo mês.
Luís Inácio Lucena Adams, representante do PP nas ações e ex-Advogado Geral da União entre 2009 e 2016, nos governos Lula e Dilma, também é advogado da mineradora canadense Potássio do Brasil, como mostrou o InfoAmazonia. A empresa tenta explorar potássio em Autazes (AM), próximo a uma área reivindicada como terra ancestral do povo mura, cujo processo de demarcação se arrasta há mais de 20 anos. A mineradora é acusada de irregularidades, incluindo supostas tentativas de suborno de indígenas e fraudes no processo de consulta, que, segundo a Apib, desrespeitou o protocolo de consulta dos mura. O governo do Amazonas, porém, concedeu licenças ambientais ao empreendimento.
A sugestão do PP na conciliação, como indicava a ação movida pelo partido, prevê como de “relevante interesse público” o “aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos”, o que abre espaço até para a construção de hidrelétricas nas terras indígenas, e “a pesquisa e a lavra das riquezas minerais” nos territórios, medida que beneficiaria a Potássio do Brasil. Gilmar abraçou essas ideias.
O Ministério dos Povos Indígenas, por sua vez, citou em sua nota “severa preocupação” com a inserção da mineração no texto, assim como com “aspectos relativos ao procedimento demarcatório, ao direito de retenção por ocupantes não indígenas enquanto não indenizados e à desocupação forçada de indígenas em caso de conflitos, entre outros”.
Texto abre brecha para que consulta a indígenas sobre mineração em seu próprio território seja ignorada
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Na proposta de Gilmar Mendes, é previsto que as comunidades indígenas sejam consultadas, como prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário – e que, portanto, tem força de emenda constitucional.
Apesar disso, no artigo 31 do projeto, em seção em que trata dos processos de consulta, Mendes incluiu a previsão de que “caso a manifestação da comunidade indígena seja contrária à intervenção, o excepcional prosseguimento da atividade, obra ou instalação deverá ser circunstanciadamente fundamentado em relevantes razões de interesse público e no princípio da proporcionalidade, com a demonstração da sua imprescindibilidade”, abrindo espaço para que um empreendimento aconteça mesmo contra a vontade dos indígenas afetados.
O parágrafo 2º do mesmo artigo afirma que “no caso de exploração de recursos minerais em terras indígenas, será observado o procedimento previsto no artigo 47”, que, por sua vez, prevê que, antes de encaminhar pedido de autorização de exploração de recursos minerais em terras indígenas, o “Chefe do Poder Executivo levará em consideração a manifestação das comunidades indígenas afetadas”.
O parágrafo único do artigo 46, porém, reforça que “o pedido de autorização poderá ser encaminhado com manifestação contrária das comunidades indígenas, desde que circunstanciadamente fundamentado em razões de interesse público e no princípio da proporcionalidade, com a demonstração da imprescindibilidade da extração da riqueza mineral”.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o coordenador jurídico da Apib, Maurício Terena, abordou as tentativas de mudança nos processos de consulta. “Na mesma lei que abre as terras indígenas para exploração econômica, eles já querem também fazer como se fosse um regulamento dessa consulta livre, prévia e informada”, criticou. “Eu tenho dito que está sendo reescrito o capítulo ‘dos índios’ da Constituição Federal, o artigo 231. A gente vê com muita preocupação essa movimentação”, afirmou o advogado.
“Dentro do procedimento administrativo enumerado na minuta, a Consulta aos povos indígenas se torna apenas um ato de mera formalidade e menor relevância, pois eles não poderão vetar a exploração mineral em suas terras”, frisou a Apib, em nota.
A minuta prevê, como espécie de “consolação”, que às comunidades afetadas seja pago o equivalente a 50% do valor total da Contribuição Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) – segundo o anexo da lei 13.540/17, são alíquotas de 3,5% sobre o faturamento com a mineração de ferro; 3% para bauxita, manganês, nióbio e sal-gema; 2% para diamante e demais substâncias; 1,5% para ouro; e 1% para “rochas, areias, cascalhos, saibros e demais substâncias minerais quando destinadas ao uso imediato na construção civil; rochas ornamentais; águas minerais e termais”.
O artigo 56 texto afirma que, mesmo no caso das comunidades “se recusarem a receber os recursos”, o que poderia ser uma forma de protesto contra a imposição da mineração pelo Poder Público, os valores “poderão ser depositados na conta da Renda do Patrimônio Indígena”, prevista no Estatuto do Índio (lei 6.001/73) e administrada pela FUNAI. Essa mineração dentro das TIs “não poderá ser feita por entidade privada que não sejam os próprios indígenas”, mas poderá ser feita pelo Governo Federal.
Proposta prevê Marco Temporal “light”
Embora tenha retirado as menções à proibição de demarcações de terras que não estavam ocupadas por indígenas antes da promulgação da atual Constituição, em 5 de outubro de 1988, Gilmar Mendes propôs, no artigo 10º, um mecanismo que pode inviabilizar a destinação a indígenas de terras demarcadas que estejam ocupadas por não-indígenas desde antes deste marco temporal.
A minuta prevê que, mesmo demarcadas, as terras só poderiam ser desocupadas após pagamento de indenização pelas benfeitorias (construções) e, indo além do que previa a própria lei aprovada pelo Congresso, pela terra nua – ou seja, o próprio terreno. Segundo o texto, o ocupante da terra já demarcada receberia uma proposta de indenização da União, a qual poderia recusar. Depois, a União pode fazer uma contraproposta. Em caso de discordância ou falta de resposta, o valor seria definido pela Justiça ou por um tribunal arbitral – onde advogados apontados em consenso pelas partes decidem em conjunto. Só não haveria indenização pela terra nua em áreas ocupadas após esse marco temporal.
Até que houvesse o pagamento, os não-indígenas poderiam ficar na terra, mesmo que demarcada. “Antes de indenizadas a parcela incontroversa das benfeitorias de boa-fé e do valor da terra nua, se for o caso, não haverá qualquer limitação de uso e gozo aos não indígenas que exerçam posse direta sobre a área, garantida a sua permanência na área objeto de demarcação”, reforçou Gilmar, no artigo 12. A proposta foi sugerida pelos partidos PL e Republicanos.
Um levantamento realizado pela Agência Pública, em setembro de 2023, demonstrou que essa obrigatoriedade pode inviabilizar a destinação de terras, mesmo que demarcadas, a povos indígenas. Segundo a apuração, apenas “nas dez terras indígenas ainda não homologadas que são as mais disputadas por fazendeiros no país”, o valor estimado para indenizações pela terra nua chegaria a R$ 942 milhões (R$ 1,028 bilhão em valores atuais). Segundo o Portal da Transparência, os orçamentos atualizados da FUNAI e do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) para 2025 são, respectivamente, de R$ 589 milhões e R$ 624 milhões.
“A minuta também abrange a indenização da terra nua, tomando a data da promulgação da Constituição como parâmetro de data para pagamento de indenizações a não-indígenas, estabelecendo um marco temporal indenizatório”, definiu a nota da Apib.
Ignorando sugestões, proposta mantém brecha que permite que estados e municípios atrasem processos de demarcação
Ao contrário do que constavam nas sugestões encaminhadas pela FUNAI, pela deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), assim como pelos partidos PT, PCdoB e PV (em conjunto), PSOL e PDT – que falavam em notificação de órgãos estaduais e municipais para que participem do processo, mas que previam a “continuidade do processo independentemente da designação de representantes” destes entes, o texto de Gilmar trata a participação deles como obrigatória, sem prever prazos e sanções em caso de atraso.
“A demarcação contará obrigatoriamente com a participação dos estados e dos municípios em que se localize a área pretendida, franqueada a manifestação de interessados e de entidades da sociedade civil, desde o início da fase instrutória do processo administrativo demarcatório”, diz o artigo 7º da minuta, em linha com o que diz a lei atual. No parágrafo 2º do mesmo artigo, o ministro reforça que “é assegurado aos entes federativos o direito de participação efetiva no processo administrativo de demarcação”.
“O Ministro também quer que estados e municípios passem a protagonizar os processos administrativos demarcatórios desde o início. E abre margem para maiores contestações de terceiros nestes procedimentos, o que os torna ainda mais morosos”, apontou a Apib.
Criminalização de retomadas indígenas e uso das Polícias Militares em desocupações
O texto proposto também proíbe as retomadas indígenas, em que terras reivindicadas como tradicionais de um determinado povo são por ele ocupadas, assim como também proíbe “qualquer invasão” ou “retirada forçado de qualquer pessoa de propriedade privada ou pública” como “medida humanitária para diminuição do acirramento dos ânimos no campo”.
“Qualquer atuação pública ou privada visando à manutenção ou à reintegração de posse envolvendo conflito fundiário que contenha disputa indígena, independentemente de existir requerimento administrativo de reconhecimento da tradicionalidade indígena, deve observar os ditames desta lei, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e/ou penal de quaisquer agentes públicos, órgãos estatais e pessoas física ou jurídicas que os descumprirem”, adverte o artigo 83.
Em 11 de novembro do ano passado, na 9ª audiência da comissão, um dos representantes apontados pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Douglas Kaingang – coordenador-geral de Proteção Territorial do órgão –, afirmou que as retomadas são “uma mobilização coletiva de regularização fundiária que responde ao passado, à política colonial em relação aos indígenas”. “O maior invasor de território indígena é o Estado brasileiro”, corroborou Yssô Truká, coordenador-geral de Participação e Controle Social na Saúde Indígena da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), do Ministério da Saúde, e também indicado à comissão pelo MPI.
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O texto prevê em detalhes a repressão ao que chama de “invasões”, como as retomadas. No caso das áreas ocupadas antes do dia 23 de abril de 2024 – data em que o ministro Gilmar Mendes suspendeu todos os processos que discutem a constitucionalidade do Marco Temporal, abrindo caminho para a comissão de conciliação –, Polícia Federal, Força Nacional e a Polícia Militar do estado em questão, com coordenação das Forças Armadas no caso de áreas de fronteira, farão “protocolos de intervenção”, com foco na negociação no prazo de até 30 dias.
Já no caso das “invasões” ocorridas após a suspensão dos processos pelo ministro, as forças de segurança deverão fazer a “retirada imediata dos invasores, independentemente de se tratar de terras indígenas, territórios públicos ou privados, envolvendo qualquer pessoa que tenha ingressado de forma desautorizada em bem imóvel sob domínio ou posse alheia, pública ou privada, inexistindo possibilidade de negociação ou intermediação de conflito por meio de comissões de conflitos fundiários”.
Em sua entrevista ao Brasil de Fato, Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib, mostrou preocupação com a possibilidade de aumento da violência policial devido à previsão de participação das PMs nos conflitos fundiários. “A Constituição Federal é bem clara ao dizer que a competência para atuar em terras indígenas [é] dos entes federais, nesse caso, da Polícia Federal, para tratar de temáticas relacionadas a direitos indígenas. Mas na proposta apresentada tem uma previsão de que a Polícia Militar possa atuar em conflitos indígenas, o que pode aumentar a violência policial dentro dos territórios”, apontou.
Após 1 ano de aprovação da lei, novos pedidos de demarcação serão apenas para indígenas isolados
O fim da minuta ainda estabelece, para a FUNAI, a obrigação de divulgar em “lista pública”, até “60 dias após a entrada em vigor desta Lei Complementar”, pedidos de demarcação por parte de indígenas, que deverá ser republicada mensalmente em caso de novos pedidos. O parágrafo 4º do artigo 89, porém, prevê que as reivindicações feitas após 1 ano da divulgação da lista serão atendidas apenas “na forma de desapropriação por interesse social, salvo descoberta posterior de indígenas isolados” (que contarão com o processo normal de demarcação).
O artigo 91 altera a lei 4.132/62 para incluir, entre as desapropriações por interesse social, a “destinação de áreas às comunidades indígenas, desde que necessárias à reprodução física e cultural” requeridas após 1 ano de divulgação da lista da FUNAI.
Em 2019, o próprio Gilmar Mendes decidiu, em julgamento sobre a legalidade de um decreto de desapropriação por interesse social em prol de indígenas na Bahia, que “a União pode destinar áreas para posse e ocupação pelos índios, as quais não se confundem com áreas de posse imemorial das tribos indígenas”. O ministro, como relatou o site do STF, tentou estabelecer uma conciliação também nesse processo, mas acabou julgando-o após os autores não se interessarem em negociar (diferente de como agiu no caso do Marco Temporal, em que a Apib era autora de uma das Ações Diretas de Inconstitucionalidade).
Gilmar lembrou, na decisão, que o artigo 26 do Estatuto do Índio prevê o assentamento de indígenas em terras que não sejam “as de posse imemorial”, como em colônias agrícolas indígenas – definida no artigo 29 do estatuto como “área destinada à exploração agropecuária, administrada pelo órgão de assistência ao índio, onde convivam tribos aculturadas e membros da comunidade nacional”. Apesar de prever a destinação aos indígenas, é uma área com menos proteções legais do que uma Terra Indígena.
Enquanto não há uma definição por parte do STF – mesmo que fosse em decisão liminar, como pedia a Apib antes de se retirar da comissão – a lei do Marco Temporal segue em vigor, mesmo que seu principal dispositivo tenha sido anteriormente declarado inconstitucional pelo STF. E, se depender da bancada ruralista, assim ela seguirá.