São Paulo – O soldado da Polícia Militar (PM) Luca Romano Angerami foi morto com 18 tiros depois de ter sido sequestrado, julgado e condenado pelo chamado “tribunal do crime” do Primeiro Comando da Capital (PCC) em abril deste ano, no Guarujá, litoral de São Paulo.
A conclusão é de um laudo do Instituto Médico Legal (IML) assinado pelo médico legista Johnny Leandro Conduta Borda Aldunate.
O documento foi obtido pelo portal UOL e mostra que Angerami levou 11 tiros na região torácica direita e outros sete na região cervical direita. A vítima ainda tinha um cadarço amarrado no pescoço.
O laudo aponta ainda que Angerami ainda estava vivo quando foi baleado. Um dos tiros causou lesão do ventrículo esquerdo, provocou sangramento e levou o policial militar a óbito.
O corpo do soldado chegou a ficar mais de um mês desaparecido até ser encontrado em uma cova rasa de um cemitério clandestino, na Vila Baiana, no dia 20 de maio.
O PM havia sido visto pela última vez perto da biqueira gerenciada por Caick Santos Riachão da Silva, na Rua das Magnólias, caminhando ao lado de outro suspeito, na madrugada de 14 de abril. A imagem foi feita por câmera de segurança.
Segundo Caick, Luca Angerami foi até o local comprar cocaína.
Com base em depoimento de testemunhas e outras imagens colhidas na investigação, a Polícia Civil sabe que, no dia do desaparecimento, Luca havia passado a tarde com amigos na Praia do Tombo, ido a um bar de sinuca e depois a uma adega na Vila Santo Antônio.
Ainda falta esclarecer, no entanto, o passo a passo do que aconteceu, de fato, entre a saída da adega, a sua passagem pela biqueira e a execução do policial no Tribunal do Crime.
Investigação
No inquérito, um amigo de infância, que estava com o PM na praia, no bar e na adega, também afirmou ter visto Luca falando com um indivíduo desconhecido no último estabelecimento.
Quando o amigo se aproximou, a conversa teria sido encerrada e o sujeito ido embora. “O indivíduo falou que todos ali na adega já sabiam que ele era policial e deveria tomar cuidado”, explicou o soldado, segundo o depoimento.
Outras testemunhas também relataram que, enquanto estava na adega, Luca teria trocado mensagens pelo Instagram com uma mulher desconhecida – razão pela qual a polícia não descarta a hipótese de ele ter sido atraído para uma cilada.
Já os investigados, cujos depoimentos foram usados pela própria polícia para fundamentar os pedidos de prisão, afirmam que o PM chegou por conta própria ao ponto de venda de droga, dirigindo seu Toyota Corolla, e só foi arrebatado no local.
A Polícia Civil ainda não apresentou o relatório final com a conclusão da investigação. “Todas as circunstâncias dos fatos são investigadas pela 3ª Delegacia de Homicídios da Divisão Especializada de Investigações Criminais (Deic) de Santos”, diz a Secretaria da Segurança Pública (SSP), em nota.
Biqueira
O depoimento de Caick, apontado como gerente do ponto de venda de droga, foi colhido no dia 19 de abril. À polícia, ele afirma que já passavam das 6h quando Luca parou o carro e conversou com um “olheiro”. O funcionário, então, foi até o traficante e informou que “tinha um cara armado querendo droga”.
Segundo o documento, Caick respondeu que poderia vender, mas decidiu avisar a outros “irmãos” que havia uma pessoa armada no local. Posteriormente, os outros traficantes foram identificados como Victor de Souza Miranda Santos, o BH, João Marcus Galdino da Silva, o Trolho, e Rafael da Silva Santos, o Cebola, apontados como “disciplinas” do PCC na Vila Santo Antônio.
Em seguida, um frequentador do local, identificado como Danilo Jefferson Corrales Lins Andrade, o Caga, também avisou o traficante que Luca “era polícia” porque “tinha visto uma desavença horas antes numa adega ‘pagando de peça’ (mostrando a arma)”.
O depoimento descreve o que aconteceu na sequência assim: “Eles [Luca e Caga] ficaram uns 40 minutos [conversando]. Logo depois eles saíram do carro e vieram a pé sentido Canal. Nisso o declarante [Caick] já começou a gritar com ele: ‘E aí, qual é, Caga, tá trazendo polícia?’”.
“Mas o rapaz que estava com ele falou que não era polícia, mostrou que estava desarmado, que tinha família na Funchal/Santo Antônio, e que só queria uma droga. Aí o rapaz (SD.PM Luca) pegou três pinos de cocaína, pagando R$ 15,00.”
Execução do PM
Nesse meio tempo, o “olheiro” teria ido até o Toyota Corolla do PM, encontrado a arma dele e levado até a biqueira. Os outros traficantes, que haviam sido avisados, também chegaram ao local. De acordo com os depoimentos, a pistola foi entregue na mão de BH.
Também preso na investigação, Carlos Vinícius Santos da Silva, o Malvadão, que estava na biqueira, narra o que aconteceu assim: “O irmão BH devolveu a arma para o policial, sem as munições, falando para ele ‘vazar’.”
Luca, no entanto, teria se negado a deixar o local sem levar “o pente e as balas” que os traficantes haviam tomado. “[O PM] começou a ameaçar que senão ia ter que voltar para pegar a munição (…) Aí, BH disse: ‘Vai ser assim então?”, descreve Malvadão.
Apesar de discrepâncias em alguns pontos da ocorrência – como, por exemplo, quem foi a primeira pessoa a abordar o PM no carro –, a versão de que o soldado queria comprar droga e acabou desarmado é um ponto em comum nos depoimentos de Caick, de Malvadão e do próprio BH, que admite ser integrante do PCC.
Na investigação, o disciplina da facção criminosa relatou que “falou para o policial ir embora ‘porque ia molhar a quebrada’” – ou seja, atrair ainda mais policiais.
Após discussão entre traficantes e os policiais, Luca foi posto em um carro escuro. Em depoimento, BH admitiu que ele, Trolho e Cebola levaram o PM até um morro da Vila Baiana e o entregaram a criminosos identificados como “PC”, “PW” e “Snipe”. A polícia diz que Luca foi submetido ao Tribunal do Crime, torturado e executado.
Presos
Outro investigado é Fábio Barbosa da Silva Júnior, o Fabinho, que teria ficado responsável por desovar o carro do PM, um Toyota Corolla, na Rodovia Cônego Domênico Rangoni. O veículo foi encontrado ainda com a chave no contato e o uniforme do soldado.
Ao ser capturado, Fabinho delatou a participação de outros dois supostos membros do PCC na discussão sobre o que deveria ser feito com Luca. São eles: Thiago da Silva Santos, o Gardenal, e Gabriel Santos de Jesus.
Como estava na biqueira na hora em que o soldado foi arrebatado, Renato Borges de França, o Coroinha, também é investigados e teve a prisão decretada.
Já o primeiro homem a ser preso, ainda na noite de 14 de abril, foi Edivaldo Aragão, de 36 anos, que confessou o crime. Com o andamento da investigação, no entanto, os policiais descobriram que o seu depoimento era mentira e tinha sido prestado a mando do PCC. Ele foi indiciado por atrapalhar o trabalho da polícia.
Corpo
Segundo a polícia, o corpo do PM foi encontrado com as mãos amarradas e enrolado em uma lona apenas de cueca. Uma equipe da Seccional de Santos localizou o cadáver na Rua Gerson Maturani, na Vila Baiana.
O rosto da vítima, de acordo com policiais da Seccional que participaram da operação, estava desfigurado. Uma tatuagem no braço esquerdo teria ajudado na identificação do PM.
O desaparecimento de Luca Angerami já era tratado como homicídio. No fim de abril, o delegado Fabiano Barbeiro, da Divisão Especializada de Investigações Criminais (Deic) de Santos, afirmou que o soldado foi “executado covardemente por criminosos integrantes do PCC”.
Segundo o delegado, o rapaz foi morto “simplesmente pelo fato de ser policial, e por estar no lugar errado na hora errada”.
Fonte: Oficial