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Por que O Abaporu, símbolo da arte brasileira, está na Argentina

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São Paulo — Um homem de pés e mãos enormes, mas com a cabeça pequena, debaixo do sol, é a tela brasileira mais valorizada no mundo. O Abaporu, de Tarsila do Amaral, marco histórico da arte brasileira e do modernismo nacional, está, no entanto, na Argentina desde 1995.

O quadro é uma das principais atrações do Museu de Arte Latinoamericano de Buenos Aires, o Malba. Localizado em Palermo Chico, o museu concentra a principal coleção de arte latinoamericana do mundo.

Tarsila do Amaral voltou aos holofotes nesta semana, quando um quadro da artista foi autenticado e certificado pelo novo comitê que avalia se obras vinculadas a sua autoria são reais ou errôneas. Apesar da certificação, profissionais da associação de galeristas de arte do Brasil manifestaram-se afirmando que não reconhecem e não acatam a conclusão.

O Metrópoles conta a história de como a tela brasileira chegou ao país vizinho.

História complexa

Pintada em 1928, a tela foi adquirida em 1995, num leilão da Christie’s, em Nova York, pelo colecionador argentino Eduardo Costantini.

Vendido por US$ 1,35 milhão, o quadro obteve o maior lance da noite e se tornou a primeira obra de arte brasileira comercializado por mais de US$ 1 milhão. Na época, inclusive, o colecionador foi criticado por adquiri-la a custo elevadíssimo.

Dezesseis anos depois, o valor subiu 2.800%, ou seja, US$ 40 milhões. Atualmente fala-se em mais de US$ 1 bilhão.

Embora culpem a Argentina por “tirar a tela brasileira mais importante de nossas terras”, Raul Forbes, seu antigo dono, diz que brasileiros esnobaram o quadro. Ele havia comprado a obra-prima em 1984, por US$ 250 mil. Em 1995, com problemas financeiros, decidiu vender. Segundo ele, a saída foi colocar o quadro em um leilão fora do Brasil.

O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Estado de São Paulo se recusou a liberar documentos para que o quadro saísse do país. Queria tombá-lo, mas não conseguiu. E foi aí que os valores de tudo produzido por Tarsila explodiram.

A trajetória do Abaporu antes de sair do Brasil é contada na biografia de Tarsila do Amaral, escrita por Aracy do Amaral. No texto, a biógrafa afirma que a artista vendeu a tela para o Museu de Arte de São Paulo (Masp), fundado por Pietro Maria Bardi. Segundo Aracy, Tarsila tinha a esperança de ver o quadro por lá.

A versão de Pietro é outra: no mês de junho de 1984, Tarsila do Amaral teria vendido diretamente, em São Paulo, a tela pela quantia de Cr$ 300 milhões para o acervo pessoal dele. “Nunca se falou em acervo do Masp, pois o museu havia parado de fazer aquisições em 1953. Todo mundo sabe que o acervo do Mirante das Artes é meu. Aliás, as duas telas da Tarsila, Abapuru e Antropofagia, foram adquiridas e comercializadas mais tarde.”

Repatriação do Abaporu

O tombamento poderia ter evitado a exportação da obra, segundo o advogado especializado em direitos autorais Marcelo Frullani.

Se fosse tombado, o quadro só poderia sair do país por curto prazo, sem transferência de domínio e para fim de intercâmbio cultural, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

De acordo com o advogado, uma repatriação depois da venda de uma obra de arte, se não houve nenhuma irregularidade no processo de compra e exportação, depende de um acordo com os proprietários.

Não está à venda

O Abaporu é hoje daquelas obras que, de tão valiosas, não têm mais preço. Em 2011, a então presidente Dilma Rousseff perguntou ao argentino Costantini quanto custaria repatriar a obra. Ele falou em US$ 200 milhões e a conversa terminou ali.

Naquele ano, para uma exposição no Palácio do Planalto, o dono do Abaporu fez várias exigências para emprestá-lo. Além de um rigoroso controle de umidade e temperatura, o quadro fica protegido por um vidro e uma fita. A tela passou 24 horas encaixotada até se aclimatar por causa da diferença de temperatura de Brasília. Curiosidade: o Abaporu tem um segurança só para ele.

O argentino é claro em todas as entrevistas: o quadro não está à venda. Logo, pouco importa o valor. Em uma fala ao jornal La Nación chegou a dizer que não venderia nem por aviões de dinheiro.

Números de Tarsila

Em 2019, o MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York) comprou A Lua, também da artista, que pertencia desde a década de 1950 à coleção Feffer, família fundadora da fábrica de papel Suzano. Foi outro marco expressivo para a valorização da pintora.

Também em 2019, a exposição Tarsila Popular atraiu mais de 402 mil pessoas ao Masp. O recorde de público do museu pertencia a Monet — exposição realizada em 1997. Os admiradores enfrentaram filas de até seis horas de espera para ver as 92 obras da brasileira expostas. Foi a última vez em que O Abaporu esteve em território brasileiro.

Em 2020, a tela A Caipirinha (1923) foi adquirida em leilão por um colecionador brasileiro por R$ 57,5 milhões, batendo o recorde de valor pago por uma obra em venda pública no país. O nome do comprador não foi revelado e a obra é mais uma da artista que foi para coleção particular.

E uma visitinha do Abaporu?

“Não consigo ir até a Argentina ver o Abaporu” e “Traz o Abaporu de volta” estão entre as mensagens mais frequentes nos canais oficiais da pintora. O sonho também é compartilhado pelos herdeiros de Tarsila.

No momento, O Abaporu não tem previsão de visitar terras tupiniquins. Paola Montenegro, sobrinha-neta da artista e responsável pelos direitos de imagem da artista, contou à reportagem que seu plano é trazer o quadro para uma exposição. “Agora com a modernização no processo de certificação já acontecendo, meus esforços estão concentrados em ações para promover a democratização da arte e possibilitar que todos possam ver novamente o quadro brasileiro mais famoso do mundo”, disse ao Metrópoles.

Procurado, o Ministério da Cultura não respondeu se existe um interesse em repatriar o quadro mais valioso da arte brasileira.

Fonte: Oficial