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Portel: De campeão de extração a líder em redução de desmatamento

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Portel: De campeão de extração a líder em redução de desmatamento

Portel: De campeão de extração a líder em redução de desmatamento

Substituindo derrubadas na floresta por manejo sustentável, município no Marajó reduziu quase 70% do desmatamento em um ano

Reportagem por Alice Martins Morais

Ilustracao Amazonia Sob Pressao Portel 1

O município de Portel é um dos maiores da região conhecida como “Marajó de florestas”. Com 25 mil km² de território – maior do que o estado de Sergipe –, abriga famílias ribeirinhas que precisam se deslocar por até 24h para chegar à sede urbana da cidade. Diferente da imagem mais comum do turismo marajoara, de búfalos e praias, a paisagem desse lado do arquipélago é de floresta densa e caminhos traçados por rios. Mas essas florestas estão sob pressão da agropecuária, principalmente pelo cultivo de soja e do gado. 

Esse é o cenário similar de 29% da Amazônia Legal, onde munícipios mantêm pelo menos 75% de cobertura florestal, mas sofrem com desmatamento crescente, extração ilegal de madeira, garimpo de ouro e grilagem de terras, conforme explicado pelo projeto Amazônia 2030. No caso de Portel, os efeitos antrópicos resultaram em altos índices de desmatamento. Em 2022, foi considerado o município mais crítico do estado, com 31 km² afetados somente em novembro. A situação fugiu do controle do poder público e levou a um decreto de emergência ambiental.

Depois de medidas de controle das instâncias federal, estadual e municipal e, em paralelo, ações da sociedade civil, agora Portel se orgulha de ter sido a segunda cidade do estado com a maior redução de área de desmatamento entre 2023 e 2024 (171 km², redução de 67%). Um dos ingredientes dessa fórmula de sucesso foi oferecer assistência técnica e crédito, principalmente para os pequenos agricultores. A medida é compatível com a lista de recomendações que os pesquisadores do Amazônia 2030 propuseram em 2022.

“Quando assinamos esse decreto já foi com esse propósito de tomar providências. Chamei representantes do agro[negócio] onde se tinha o maior número de desmatamento e avisei que caso não parassem teria medidas mais duras em relação a queimadas e desmatamento ilegal”, afirma o prefeito de Portel, Paulo Oliveira, que está em seu terceiro mandato. Quando foi eleito em 2021, o município somava uma taxa de desmatamento de 254,40 km²/ano (PRODES, 2020).

“Começamos a alertar para que se produza com consciência ambiental, até para não sofrer embargos lá fora”, ressaltou o gestor, referindo-se a regras internacionais, como a lei antidesmatamento da União Europeia, que está prevista para entrar em vigor a partir de dezembro de 2026 e exigirá que os fornecedores comprovem que o produto, como o gado, não veio de área que tenha sido desmatada após 31 de dezembro de 2020.

De acordo com Oliveira, os principais focos da devastação eram na extensão do rio Alto Pacajá e nas divisas com outros municípios. “Acho que eles [os produtores rurais] se ‘tocaram’ de que o desmatamento ilegal não compensa, eles estão com medo de terem suas propriedades embargadas pelo Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis]”, declara o prefeito.

Prefeito de Portel, Paulo Ferreira. Reprodução Facebook
Prefeito de Portel, Paulo Ferreira. Reprodução Facebook

Idinor Oliveira, secretário de Comunicação e Integração municipal (e irmão do prefeito), explicou que o plano de ação do município focou especialmente em 4 mil famílias produtoras de farinha: “Aqui, o sistema agrícola ainda é rudimentar, com queima e derrubada da roça. Nós fizemos um trabalho doando kits de higiene e cestas básicas por quase 50 dias para cada família, para compensar a derrubada da mata”.

Segundo ele, a estratégia foi executada junto ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e Pesca (SEDAP) e ao Núcleo de Gerenciamento Pará Rural. Foi complementada por uma emenda parlamentar que disponibilizou veículos para combate ao desmatamento e para a compra de tratores para mecanizar a produção da mandioca. “Por um lado, melhoramos a fiscalização com essas novas viaturas. Por outro, trazemos mais mecanização para substituir a derrubada e a queima”, reforça. “Queremos continuar protegendo a natureza. Nós já temos a floresta de Caxiuanã e há um projeto de criar mais reservas extrativistas no município”, conclui.

Infográfico Amazônia Sob Pressão. Arte: Renata Costa
Arte: Renata Costa

Conflitos territoriais fazem parte da história local

Contudo, as ações em Portel não foram isentas de atritos. Para Gracionice Correa, presidente da Cooperativa Manejaí, não basta garantir a queda no desmatamento. “Tem áreas muito grande de florestas nativas que foram incendiadas e que hoje sofrem as consequências, porque regenerar é mais difícil do que preservar. Esse apoio do governo não chegou até nós”, disse ela, que também é membro do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Portel.

Outra problemática envolve o cadastramento no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Em Portel, a área geográfica passível de registro no CAR chega a 80,49% (SEMAS, 2020). E em junho deste ano o Sindicato dos Trabalhadores Rurais entrou com uma ação civil pública acusando o prefeito e o secretário municipal do Meio Ambiente, Igor Diniz, de enfraquecerem o CAR coletivo. Essa modalidade do cadastro é aplicada nas áreas de assentamento e visa a proteger os territórios tradicionais.

De acordo com a denúncia, o prefeito e o secretário teriam incentivado substituir o coletivo pelo CAR individual, que é um documento autodeclaratório. “É fácil o prefeito assinar termos de cooperação, mas quando chega aqui a prática é outra. Ter a garantia, de fato, de assentamentos regularizados é um dos nossos principais desafios. A gente sofre ameaças, mas continuamos na luta e no enfrentamento”, argumenta a produtora rural.

Área privada e preservada no município de Portel (PA). Foto: Celso Abreu / CC BY 2.0
Área privada e preservada no município de Portel (PA). Foto: Celso Abreu / CC BY 2.0

Em resposta, Idinor Oliveira diz que a “questão do CAR é exclusividade da secretaria estadual de Meio Ambiente”. “O que está acontecendo é que quando criaram as reservas extrativistas aqui foram fazendo CAR coletivo, mas isso impede que o pequeno agricultor, cuja família já está há gerações, possa ter acesso ao crédito. O município não tem nada a ver com isso, mas se a pessoa afetada disser que não quer o CAR coletivo, mas quer o CAR individual, o município se coloca à disposição para fazer o que seja justo”, diz.

Portel também já foi palco de polêmicas envolvendo projetos de créditos de carbono, de acordo com notícia do Brasil de Fato. Em 2022, a prefeitura autorizou projetos de crédito de carbono em terras públicas ocupadas por comunidades tradicionais. No ano seguinte, a Defensoria Pública do Estado do Pará acionou a Justiça contra a prefeitura e empresas por falta de transparência e uso indevido do CAR como prova de propriedade.

Vale recordar que Portel também já foi um importante polo madereiro, com auge nas décadas de 1980 e 1990, quando era a principal fonte de renda e emprego para a população, mas hoje as extrações são menores, principalmente de serrarias familiares. Uma pesquisa publicada no ano passado mostra que a exploração desenfreada desencadeou um esgotamento dos recursos naturais, e essa queda econômica levou ao aumento da vulnerabilidade socioeconômica local. Para se ter uma ideia, 54,10% da população de Portel está na faixa de extrema pobreza (CADÚNICO, 2020).

Sociedade civil investe no manejo florestal para recuperação de áreas degradadas

Atualmente, a economia do município é baseada na agropecuária, comércio e serviços e gestão municipal. É ainda o município que produz a maior quantidade de extrativismo no Pará, em reais. Por isso, apoiar as comunidades extrativistas faz todo o sentido no combate ao desmatamento. É o raciocínio do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), que desde janeiro deste ano realiza o projeto “Marajó – Agrofloresta em família”.

A iniciativa implementa sistemas agroflorestais (SAFs) no município, com engajamento direto de famílias que vivem em projetos de assentamento e em áreas rurais. As atividades envolvem cultivar diferentes espécies em uma mesma área, incluindo árvores como andiroba, jatobá e pracaxi; palmeiras como açaí e pupunha; além de espécies agrícolas e frutíferas de ciclo curto e longo, como cacau, cupuaçu, abacaxi, mandioca, mamão e banana.

Projeto Marajó Agrofloresta em Família. Foto: Rafael Ferreira / Marajó Socioambiental
Projeto Marajó Agrofloresta em Família. Foto: Rafael Ferreira / Marajó Socioambiental

Devido à grande extensão territorial, a iniciativa construiu viveiros comunitários em várias partes do município. “Levar uma muda de um lugar para o outro é distante, dificíl e caro, então a gente precisava descentralizar”, justifica.

Expandir os SAFs, plantar árvores nativas e combater à grilagem de florestas públicas são outras das recomendações do Amazônia 2030. Ao promover um melhor uso da terra nas áreas já desmatadas, evita-se novas derrubadas.

O projeto do IEB também fomenta uma reflexão sobre como articular o manejo sustentável com políticas públicas. “Os SAFs em Portel vem com essa estratégia, tanto a curto prazo com a geração de renda complementar, mas a médio prazo tem produtos, como frutas, que podem prosperar e serem comercializados na merenda escolar, por exemplo”.

Junto ao plantio, veio a assistência técnica, que dialogou com as comunidades para encontrar as melhores formas de cultivar as mudas, que espécies plantar e como se adaptar ao clima. “Às vezes, as pessoas já praticavam os SAFs, mas a produtividade não era tão boa como quando se tem uma orientação mais específica”, salienta.

Comunidade ribeirinha no município de Portel (PA). Foto: Celso Abreu / CC BY 2.0
Comunidade ribeirinha no município de Portel (PA). Foto: Celso Abreu / CC BY 2.0

Mudas geram renda e empoderamento comunitário

Um dos coletivos que fazem parte é a Cooperativa Manejaí, da qual Gracionice Correa é presidente. Os cooperados já tinham a assistência técnica em seu quadro profissional e mediante outras parceiras, mas quando veio o projeto do IEB, ampliou-se a capilaridade das atividades.

“Temos grupos de mulheres e comunidades que abraçaram a causa. A gente vê muitas áreas perdendo a sua biodiversidade para o desmatamento, inclusive espécies alimentícias que fazem falta para nós” Segundo ela, algumas pessoas já até tinham o espaço do viveiro montado, embora a falta de incentivo e de insumos as impedia de levar adiante. “Com o projeto, veio o incentivo financeiro da venda de mudas e os SAFs ajudam a  combater a fome, trazendo alimento saudável e fortalecendo a economia das famílias”.

Logística para o transporte de mudas no Marajó. Foto: Divulgação IEB
Logística para o transporte de mudas no Marajó. Foto: Divulgação IEB

Como compensação pelo serviço ambiental, o IEB comprava inicialmente as mudas a R$ 2,00 por unidade. Neste ano, o projeto ganhou um reforço, com uma parceria com o  Instituto Alok, com apoio do Airbnb e em conjunto com a ONG SOS Amazônia. Com a novidade, acrescentou-se mais R$ 1,50 por muda – totalizando R$ 3,50 a unidade. Apesar de ser um valor relativamente baixo, faz uma diferença grande na vida dos produtores. “O menor viveiro chegou a 12 mil mudas, cada lote era de 500 a 1.500 mudas por família. Apesar de que avaliamos que R$ 10,00 seria o valor adequado, essa iniciativa já é muito satisfatória, estamos fomentando um trabalho mais digno”, afirma Graciane Correa.

O projeto em parceria com Instituto Alok prevê o reflorestamento de cerca de 200 hectares, com plantio de aproximadamente 240 mil mudas, envolvendo 150 mulheres agroextrativistas e ribeirinhas, gerando até 75% de aumento na renda familiar. As espécies em mudas são diversas, desde copaíba (conhecida como antibiótica da mata) até madeira nobre como acapu, dando uma nova roupagem à antiga tradição de cultivo de madeira. 

A participação no viveiro é voluntária. Graciane diz que, conforme foi dando certo, mais pessoas começaram a participar, ainda que indiretamente, como plantando primeiramente as sementes nos seus quintais para depois se juntar ao viveiro. “É um estímulo a mais. A gente vê o entusiasmo e o querer até das crianças de participar e entender. Dos jovens que não tinham perspectiva no plantio e começaram a enxergar uma oportunidade em plantar, cuidar e restaurar”, destaca.