São Paulo — A operação da Receita Federal, Polícia Federal e Ministério Público Federal deflagrada nessa quarta-feira (28/8) que investiga uma organização criminosa suspeita de lavar dinheiro para o crime organizado e para empresas com dívidas, por meio de fintechs clandestinas, tem entre os 14 presos dois sócios dos bancos digitais investigados.
São eles Patrick Burnett, fundador e CEO do Inove Global Group, grupo de um dos bancos investigados, o Inovebanco, e José Rodrigues, fundador do T10 bank, empresa também em investigação. As duas empresas têm sede em Campinas, no interior de São Paulo.
A organização oferecia abertamente, pela internet, contas clandestinas desses dois bancos digitais, que permitiam transações financeiras dentro do sistema bancário oficial, de forma oculta, as quais foram utilizadas por facções criminosas, empresas com dívidas trabalhistas, tributárias e outros fins ilícitos.
As contas dessas duas fintechs não tinham autorização do Banco Central do Brasil, mas estavam hospedadas em bancos regulares e autorizados. Elas eram anunciadas como contas garantidas, porque eram “invisíveis” ao sistema financeiro e blindadas contra ordens de bloqueio, penhora e rastreamento.
Segundo a investigação, o grupo movimentou R$ 7,5 bilhões.
Patrick Burnett
Patrick Burnett é presidente do Inovebanco e se autodenomina na rede social LinkedIn fundador e CEO da Inove Global Group. Além disso, ele é curador de inovação do Grupo de Líderes Empresariais (Lide), um cargo voluntário na entidade. O Lide é um grupo empresarial fundado pelo ex-governador de São Paulo João Doria e presidido por um filho de Doria, João Doria Neto.
Economista formado na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Patrick escreveu em seu perfil que é “um profissional [com] ampla experiência em meios de pagamento, tecnologia, inovação e criação de produtos e soluções que transformam a forma como as pessoas interagem com o mundo financeiro”.
Com sede em Campinas, a Inove Global Group “é uma fintech especializada no desenvolvimento de soluções de tecnologia financeira sob medida para aumentar a rentabilidade e a escalabilidade de seus clientes, empreendedores de todo o país”, como afirmam em seu site oficial.
Procurada pelo Metrópoles, a empresa informou que, somente na manhã desta quinta-feira (29/8), seus advogados tiveram acesso ao conteúdo da investigação
“A empresa nega veementemente ter relação com os fatos mencionados pelas autoridades policiais e veiculados pela imprensa, o que ficará demonstrado ao longo do processo. E ressalta sua total disposição de colaborar com as investigações”, diz a nota.
José Rodrigues
José Rodrigues é fundador do T10 bank, advogado proprietário do escritório Plácido & Rodrigues Advogados em Campinas e suplente de deputado federal pelo Progressistas (PP).
Com 47 mil seguidores no Instagram, ele se apresenta como empreendedor e escritor do livro “Dr Poder”. No livro, “compartilho minha trajetória de vida, com o objetivo de despertar o poder que todos nós possuímos, mas muitas vezes nem percebemos”, escreveu José Rodrigues em uma das publicações na rede social.
A T10 bank se apresenta em seu site oficial como “uma solução inteiramente digital e completa, pensada para a realidade do empresário brasileiro e criada por quem vive isso há mais de 20 anos”.
“Nossa missão é te fazer ganhar tempo e melhorar seus resultados, com tranquilidade e transparência”, diz o slogan do banco.
O Metrópoles procurou a T10 bank para um posicionamento, mas não obteve retorno. O espaço permanece aberto.
Como funcionava o esquema
Segundo a Receita Federal, as fintechs mantêm uma conta corrente denominada “conta bolsão” junto a um banco comercial, na qual são realizadas milhares de transações com dinheiro de terceiros. A conta bolsão garante a invisibilidade do cliente da fintech, porque é “impossível rastrear, de forma satisfatória, a origem e o destino do dinheiro”.
Além das contas bolsões, a organização usou, como meio de pagamento, máquinas de cartão de crédito em nome de empresas de fachada, não relacionadas aos verdadeiros usuários, para viabilizar a lavagem de dinheiro e o pagamento de atos ilícitos de forma oculta.
A Receita desenhou um fluxograma de como funcionava o esquema. Uma pessoa física tem uma conta de pagamento garantida aberta com a fintech e comanda suas operações por meio de um aplicativo digital.
A fintech, por sua vez, tem uma conta corrente, do tipo bolsão, em seu próprio nome, em um banco comercial. No exemplo da imagem, a pessoa física faz uma transferência de R$ 150 mil, por meio de aplicativo, para outra pessoa física.
Como a pessoa que fez a transferência não tem vínculo com o banco comercial, seu nome não aparecerá no extrato, mas, sim, o da fintech, titular da conta. No esquema, a pessoa é invisível a um bloqueio judicial e pode manter seu patrimônio livre de restrições.
Operação
Foram cumpridos 10 mandados de prisão preventiva, sete de prisão temporária e 60 de busca e apreensão nas cidades de São Paulo, São Caetano do Sul, Osasco, Barueri, Santana de Parnaíba, Embu-Guaçu, Jundiaí, Valinhos, Paulínia, Campinas, Americana, Sorocaba, Votorantim, Ilhabela e Belo Horizonte (MG).
Pela manhã dessa quarta-feira (28), 14 pessoas foram presas, além de 13 veículos apreendidos, entre eles carros de luxo.
Além das prisões e buscas, foram determinadas judicialmente a suspensão das atividades de 194 empresas usadas pela organização criminosa para dissimular as transações, a suspensão da inscrição de dois advogados na OAB (um em Campinas e um em Sorocaba), a suspensão do registro de contabilidade de quatro contadores (dois em Campinas, um em São Paulo e um em Osasco), além do bloqueio de R$ 850 milhões em contas associadas à organização criminosa.
Entre as buscas, estão as sedes dos bancos que hospedam as fintechs ilegais e que não notificaram o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) quanto às transações suspeitas, bem como de instituições administradoras de cartões de crédito.
Fonte: Oficial