A licença federal emitida esta semana para o início de obras em parte da hidrovia Araguaia-Tocantins, no estado do Pará, colheu duras críticas de comunidades extrativistas e do Ministério Público Federal (MPF). Autarquia federal afirma que regras foram respeitadas.
Até o momento, 23 associações de ribeirinhos pediram o “cancelamento imediato” da licença assinada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para remoção de rochas e outras obras na região do Pedral do Lourenço, no Rio Tocantins.
Segundo elas, isso “ameaça destruir não apenas formações geológicas, mas também modos de vida, saberes tradicionais, vínculos comunitários e a biodiversidade que sustenta a nossa existência”, afirmam.
((o))eco já mostrou que, no manancial e sobretudo na porção do Pedral, há pelo menos 25 espécies de peixes ameaçadas. O Rio Tocantins todo tem 229 espécies exclusivas de peixes. Se forem eliminadas, podem não mais voltar.
Em carta aos governos federal e estadual e à organização da COP-30 – a cúpula global sobre clima que acontece na capital Belém, em novembro –, as comunidades afirmam que condicionantes socioambientais não foram cumpridas.
“Como parte viva da sociobiodiversidade amazônica, reivindicamos o direito de decidir sobre os usos do rio, da terra e da floresta — elementos fundamentais para nossa sobrevivência e para o equilíbrio climático do planeta”, ressaltam.
Já o Ministério Público Federal (MPF) avaliou que a licença é ilegal, da mesma maneira por alegadamente não cumprir as condicionantes e violar o direito de povos tradicionais à consulta, livre, prévia e informada, como pede a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“A emissão da licença viola decisão judicial já decretada, em especial no que se refere à obrigatoriedade de apresentação dos estudos do desembarque pesqueiro”, acrescenta a manifestação do MPF.
Em agosto do ano passado, o órgão já havia pedido a anulação do licenciamento, pelos mesmos problemas novamente apontados, noticiou ((o))eco.

Bomba n’água
A remoção e destruição de rochas alargará e aprofundará o Rio Tocantins para a passagem contínua de grandes embarcações com soja, minérios, carne e outras commodities até portos em Barcarena (PA), na saída para o Atlântico.
O projeto incidirá em 35 km do manancial, será executado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e envolve a instalação de canteiros industriais e de apoio e um paiol para explosivos. As obras fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Dependendo da fonte – se de governos ou pesquisadores –, as intervenções no Pedral influenciarão de 200 km a 500 km do Rio Tocantins. O Ministério Público Federal salientou que será afetado “todo o conjunto de seres vivos que dele depende”.
A licença vale por 5 anos e, conforme o DNIT, tem condicionantes como monitorar e controlar impactos em animais e plantas silvestres e na qualidade da água, ações de comunicação social e de compensação ambiental, estimada em quase R$ 5 milhões.
De acordo com a autarquia, desde a emissão da licença prévia, em março de 2022, foram avaliados possíveis efeitos da obra na subsistência e nos usos tradicionais do rio por comunitários. A ideia era definir compensações e eventuais indenizações na execução do projeto.
“Para garantir transparência e participação social, o DNIT promoveu reuniões prévias com moradores da região e autoridades locais, apresentando o escopo do empreendimento e ouvindo preocupações da população diretamente impactada”, afirmou em nota a agência federal.

O governador Helder Barbalho (MDB) comemorou a permissão para começo das obras e avaliou que o derrocamento do Pedral do Lourenço estimulará o desenvolvimento do Norte do país “melhorando as condições de trafegabilidade e escoamento”.
“Esta é sem dúvida uma conquista muito importante para o Pará e para o Brasil. Esta é uma demanda histórica que agora, com a emissão da licença pelo Ibama, poderá ser viabilizada”, disse à Agência Pará o chefe do Executivo estadual.
Procurado pela reportagem, o Ibama informou “que não se manifestará sobre o assunto no momento”.