Baku, Azerbaijão – Um grupo de ativistas ucranianos realizou, na tarde desta quinta-feira (14), a primeira manifestação popular nos espaços da 29ª Conferência do Clima da ONU. Mas não foi um ato ruidoso, como costumam ser os protestos que historicamente acontecem nas COPs. Eles ficaram em silêncio, empunhando cartazes onde se liam as mensagens “Fim dos combustíveis fósseis para a paz” e “Combustíveis fósseis patrocinam guerras e mudanças climáticas”. Grandes emissores de gases de efeito estufa, os conflitos militares têm deixado sua sombra na COP de Baku, dentro e fora das negociações.
Um estudo divulgado em julho deste ano pela Iniciativa de Contabilidade de Gases de Efeito Estufa da Guerra (Initiative on Greenhouse Gas Accounting of War – IGGAW), mostrou que nos 24 meses que se seguiram ao início da invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, as ações militares deste conflito lançaram 175 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera.
Isso equivale a colocar 90 milhões de carros movidos a gasolina nas ruas ou construir 260 usinas térmicas a carvão de 200MW cada, diz o documento. Também é equivalente ao total emitido em um ano por países como a Holanda.
“O que estamos tentando fazer com esse tipo de relatório e com esta manifestação [na COP29] é mostrar ao mundo como as atividades de guerra impactam negativamente o clima. Queremos também fazer com que países que cometem agressões paguem pelas finanças climáticas voltadas à reconstrução verde do que foi destruído por eles”, disse a ((o))eco Vasylyna Belo, consultora jurídica parlamentar e membro da Ecoaction, organização ambientalista ucraniana responsável pelo protesto desta quinta-feira na COP29.
Segundo o relatório do IGGAW, o total de danos climáticos causados pela Rússia na Ucrânia em dois anos de conflito soma US$ 32 bilhões. O valor, no entanto, é subestimado. Não está claro quanto custou para o clima os bilhões de litros de combustível usados por veículos militares, campos e florestas incendiados nos ataques, centenas de estruturas de petróleo e gás destruídas e as grandes quantidades de aço e cimento usadas para fortificar as linhas de frente da batalha.
Em âmbito mundial, as lacunas tornam-se ainda maiores. A fatia do setor militar no total global de emissões é uma incógnita. A incerteza está ancorada no fato de que as forças armadas estão em grande parte isentas da obrigatoriedade de relatar suas emissões.
“Isso precisa mudar, ou as medidas de mitigação correm o risco de se tornarem meras suposições”, disse, em 2022, um grupo de pesquisadores, à revista científica britânica Nature sobre a descarbonização dos militares.
Em maio deste ano, a coordenadora de campanha da organização não-governamental britânica Conflict and Environment Observatory, Ellie Kinney, defendeu que está mais do que na hora de as emissões militares serem contabilizadas nos objetivos climáticos de cada país.
“Muito do que defendemos é diretamente para mudar a estrutura de relatórios estabelecida pela UNFCCC [Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática]. Há, sem dúvida, um esforço em andamento sobre isso, do qual fazemos parte, assim como muitas outras organizações, para reconhecer a natureza interconectada entre a guerra e a crise climática”, disse Kinney, em evento organizado pela iniciativa Covering Climate Now.
Em 2022, a ong britânica e pesquisadores da Scientists for Global Responsibility se lançaram no desafio de fazer essa conta. O que eles encontraram foi que a pegada de carbono militar total é aproximadamente 5,5% das emissões globais.
Se os exércitos do mundo fossem um país, esse valor significaria que eles teriam a quarta maior pegada de carbono do mundo. As estimativas, no entanto, são muito conservadoras, dizem as organizações.
Isso porque foram usados na análise dados limitados sobre emissões de veículos militares e informações de bases e cadeias de suprimentos que estão publicamente disponíveis. A falta de relatórios robustos sobre o tema e a lacuna significativa de dados tornam difícil estimar as emissões de gases de efeito estufa das forças armadas do mundo, dizem.
“Ainda que existam incertezas significativas, os dados do relatório demonstram que a escala dessas emissões é tão grande que ações coordenadas para reduzi-las são necessárias por todos os governos”, disseram as organizações, à época do lançamento do relatório.
Sombra dos conflitos armados na COP29
A presidência da COP29 teve um começo conturbado. O anfitrião, Azerbaijão, só foi anunciado após longos atrasos, resultantes do bloqueio da Rússia aos países da União Europeia que se candidatavam para sediar a conferência. A Armênia e o Azerbaijão haviam se oferecido para ser os anfitriões, mas a Armênia retirou sua oferta em troca da liberação de mais de 30 prisioneiros de guerra armênios. Finalmente escolhido, o Azerbaijão rapidamente rotulou a conferência como a “COP da Paz”.
Apesar do rótulo – que não pegou – a COP29 está cercada por confrontos, armados ou não. O mundo enfrenta atualmente o maior número de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial: Ucrânia, Rússia, Mianmar, Gaza, Líbano, Irã, Israel, Sudão, para citar apenas alguns exemplos.
Dentro dos espaços da convenção, as disputas diplomáticas e geopolíticas também estão presentes. Na quarta-feira, a França anunciou que estava cancelando a vinda de um membro do alto escalão do governo depois que o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, acusou o país de cometer “crimes” colonialistas na Nova Caledônia, território francês que abrange dezenas de ilhas no sul do Oceano Pacífico e que vem passando por uma onda de protestos por mais democracia.
Durante pronunciamento em Plenária da COP29, Aliyev disse: “Os crimes da França em seus chamados territórios ultramarinos não estariam completos sem mencionar as recentes violações dos direitos humanos. O regime do presidente [Emmanuel] Macron matou 13 pessoas e feriu 169… durante protestos legítimos do povo Kanak na Nova Caledônia”.
Pannier-Runacher, ministra francesa de Ecologia, reagiu rapidamente, dizendo aos parlamentares em Paris que estava cancelando sua viagem para as negociações em protesto contra o discurso “deplorável” de Aliyev. Ela classificou o ataque como “inaceitável” e “abaixo da dignidade da presidência da COP”.
Nesta quinta-feira (15), a COP29 celebra o Dia de Paz, Alívio e Recuperação. Na data, o país anfitrião reforça o apelo global para garantir que a ação climática seja sensível à paz e priorize o apoio aos mais afetados.
“Em resposta à crescente voz dos mais vulneráveis, a Presidência da COP29 tem liderado esforços internacionais para fortalecer a ação conjunta sobre a interconexão entre clima e paz”, diz o documento que conclama países-membros a esta ação.
Apesar dos apelos, a ucraniana Vasylyna Belo e o grupo que participou da primeira manifestação da sociedade civil na COP29 não se sentem confortáveis nos espaços da conferência.
Durante a manifestação, eles foram obrigados a retirar a bandeira da organização que representam, a Ecoaction, porque ela não estava em inglês e, por isso, não seria possível saber o que dizia, segundo os seguranças.
“Como eu venho de um país que vive sob bombardeios constantes, tenho um limiar de medo muito alto, mas eu diria que me sinto desconfortável aqui. Não me sinto segura quando falo ucraniano ou quando há a possibilidade de ações como a que estamos fazendo resultar em algo contra mim”, disse a ativista ucraniana. “Mas isso não nos impedirá de falar”, concluiu.