São Paulo — Uma resolução criada pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) em janeiro deste ano permite que concessionárias de rodovias troquem o pagamento de dívidas decorrentes de multas pela execução de novas obras, com descontos milionários.
A norma virou alvo de questionamentos pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), por indícios de irregularidades e de vantagens indevidas a uma concessionária que opera uma rodovia no interior de São Paulo.
Para o TCE, negociações como esta não poderiam ser feitas pelo governo sem autorização expressa da Assembleia Legislativa (Alesp), uma vez que o governo abre mão de receitas em troca da incorporação de investimentos. Assim, no lugar de uma resolução, Tarcísio deveria ter enviado um projeto de lei para determinar esse tipo de negociação.
Além disso, ao analisar uma negociação feita com base nessa resolução, os técnicos do TCE identificaram cálculos feitos pelo governo que concederam ainda mais benefícios à concessionária.
Caso Marechal Rondon
O caso analisado pelo TCE foi um aditivo ao contrato de concessão da Rodovia Marechal Rondon Oeste, entre Bauru e Castilho, no interior do estado, com a ViaRondon Concessionária. O aditivo foi assinado em 15 de março deste ano, por R$ 404 milhões.
O contrato original é de 2012 e o novo aditivo incluiu a execução de novas obras de infraestrutura na pista.
A ViaRondon tinha uma série de multas não pagas ao Estado, aferidas por diferentes diretorias da Artesp, a agência reguladora do Estado, que somavam mais de R$ 120 milhões, segundo o TCE. Com os descontos previstos pela resolução de janeiro, o valor ficou em R$ 104 milhões. Ao concordar em fazer as novas obras, a dívida será quitada.
Contudo, para os técnicos do TCE, o governo usou índices de correção diferentes para calcular o valor atualizado das multas e os valores das obras que ela teria de fazer. Com essa diferença de índices, a dívida das multas ficou menor, e o valor das obras, maior, “caracterizando vantagem desproporcional à concessionária”, de acordo com os técnicos.
Além de incluir novas obras no mesmo contrato, fazer a negociação para perdão da dívida sem aprovação do Legislativo e usar índices diferentes para atualizar valores de obras e multas, o TCE também questiona a “falta de levantamento definitivo das penalidades e seu valor exato na atualidade, demonstrando interesse emergencial em iniciar as obras sem concluir toda a questão financeira”, o que impede fechar os valores da operação.
No fim de junho, o conselheiro Antonio Roque Citadini, do TCE, enviou o relatório técnico que levanta essas irregularidades ao governo Tarcísio, pedindo explicações. A gestão estadual informou ao Metrópoles que os questionamentos foram respondidos e encaminhou a resposta à reportagem.
O que diz o governo
No documento, o governo cita um decreto-lei de 1942 e uma lei de 2019 para dizer que a Artesp não precisaria da aprovação de uma nova lei na Alesp para renegociar as multas das concessionárias. Afirma ainda que um parecer da agência estabeleceu relação entre as novas obras e o contrato original da concessão da rodovia.
A documentação foi acrescida de um parecer da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) que afirma que o procedimento que São Paulo adotou “assemelha-se, por exemplo, ao estabelecido, no âmbito da União, pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel ) e pela Agência Reguladora Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)”.
Os documentos, contudo, não abordam a questão da diferenças de índices usados nos cálculos de multas e obras. As respostas apresentadas pelo governo serão, agora, analisadas pelo TCE. O Metrópoles entrou em contato com a ViaRondon, mas não teve resposta. O espaço segue aberto para manifestação.
Fonte: Oficial