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Trump e o direito de espernear

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Trump e o direito de espernear

O que é e o que representa o efeito Trump em escala planetária?

Desfocado de seu tempo e das condições naturais do planeta, é possível compreender o que representa: a reatividade do velho business as usual. Os negócios “como sempre foram” são fortíssimos quando associados ao potencial e perfil norte-americano. Uma declaração sobre questões tarifárias, seja real ou psicológica, abala estruturas econômicas estrangeiras. A prática de Trump é, sem dúvida, de coerção econômica.

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Mas nosso foco prioritário é avaliar sustentabilidade, aquela que é real. Nesse sentido a prática de Trump está diametralmente desassociada da prática do Capital Natural, que lançou raízes a partir das discussões da ONU e do Banco Mundial em 2005. A Economia Verde “aprimora o bem-estar humano e constrói equidade social ao mesmo tempo reduzindo riscos e escassez ambiental”. 

Ao longo do tempo, a economia da sustentabilidade gerou conceitos, regramentos e políticas que avançaram o suficiente para ameaçar o status quo, mas não o suficiente para prover solução concreta para a questão climática, fato demonstrado no resultado das cúpulas climáticas globais.

Há certeza de irretroatividade. Mesmo sujeita aos solavancos das decisões políticas de plantão, a demora para a transição não afeta a inexorabilidade. Atrasar o processo de transição para a sustentabilidade aumentará a gravidade das condições naturais e o nível de dificuldade para sua solução.   

Essa realidade foi percebida, há décadas, por setores do petróleo e pelo modelo econômico que atua acima das possibilidades dos limites planetários. Reconhecer limites naturais é levantar barreiras à ambição predatória.

Condenado ao desaparecimento por avanços sociais e ambientais, ressurge na persona de Trump o business as usual em espetacular e perigoso jus sperneandi. Tal como abraço de afogado diante de momentos derradeiros, sua turbulência denota o quanto está premido diante do processo estrutural de transformação civilizatória.

A rebelião surge revestida de populismo contemporâneo, recheada com adeptos ambiciosos dos combustíveis fósseis. Não seria reação esperada, como tantos outros efeitos backlash que ocorreram ao longo da história?

Backlash é definido como de “forte sentimento entre um grupo de pessoas em reação a uma mudança ou eventos recentes na sociedade ou na política” (BACKLASH, c2021).  Exemplos históricos podem ser encontrados na reação contra o feminismo.  

Não resta dúvida que o backlash antissustentabilidade era latente. Surge como reatividade diante das expectativas de transformação. Entram em choque dois tempos diferentes: o da natureza e o da economia predatória.

E a evidente urgência de medidas para contenção das mudanças climáticas? Como foi possível suprimir a percepção do atingimento de 1,5ºC de aumento da temperatura média global desde o início da era industrial, apenas nove anos após o Acordo de Paris?

A potencialização das catástrofes naturais – aumentadas em frequência e intensidade – é impossível de ignorar. Surpreenderam até mesmo a ciência, caracterizando uma era de incerteza radical, pois os eventos climáticos não contam mais com suporte de séries históricas.

A Califórnia, estado mais populoso dos Estados Unidos, depois de castigada por severos incêndios que provocaram danos estimados em U$ 50 bilhões, recebeu duro prognóstico: as condições climáticas, decorrentes do aquecimento global, estão potencializando em 35 vezes, mais a possibilidade de incêndios naquela região semiárida de Chaparral.

Diante dos desatinos climáticos da gestão Trump, a Califórnia iniciou um plebiscito por independência.

Além dos interesses econômicos, esse tempo de retrocessos se associa ao fato dos liberais terem se tornado maioria em muitas sociedades, provocando transformações que geram reação de conservadores contra o novo “politicamente correto” que, em vez de libertário, soa como censura a conceitos anteriormente sedimentados. Soma-se a isso “grandes fluxos de imigração, que mudaram a composição étnica das sociedades industriais avançadas, agregando culturas, línguas, religiões e estilos de vida distintos, reforçando o sentimento dos conservadores de que são estrangeiros em seus próprios países” (Norris e Inglehart, 2019).

Em termos de direitos sociais e aspectos migratórios, é evidente o desatino conceitual e humanitário de Donald Trump. Além da insensibilidade que marca a política de repatriação, Trump olha o mundo como se fosse o velho jogo “banco imobiliário”, ansiando por agregar mais propriedades estratégicas, esquecendo que estas são nações, possuem soberania, cidadania e identidade cultural.

O isolamento norte-americano está sendo plantado por Trump. As ameaças de corte de energia e produtos de consumo provenientes do Canadá, em retaliação a um sistema tarifário abusivo, além da forte reação indignada do México, representam exemplos de geração de conflitos e perda de multilateralismo global, que hoje se mostra fragilizado e distante da coalizão e sintonia das nações que levaram à sacralização do Acordo de Paris, em 2015. 

O que mudou desde então?

O cenário geopolítico global demonstra ascendência de uma China cada vez mais presente econômica e tecnologicamente. O escritório de Responsabilidade do Governo dos EUA afirma: “A China é um parceiro comercial crítico para os Estados Unidos; é um grande concorrente com práticas econômicas prejudiciais e injustas

Do outro lado do Atlântico, os efeitos de crescente crise econômica atinge a Comunidade Europeia. A invasão da Ucrânia pela Rússia elevou seus custos de energia em função de perdas na cadeia de suprimento.

O perfil de Putin, ex-funcionário da KGB, foi marcado pela dissolução da União Soviética. Ao estilo czarista demonstra buscar a reconstrução do império que se dissolveu em nações autônomas. As consequências são evidentes. A guerra com a Ucrânia vem provocando não só o desequilíbrio energético europeu, mas também a quebra de produção e exportação de trigo e outras commodities.

Como resultado, a Europa em instabilidade econômica começa a repensar sua transição energética para energias limpas.  Os 27 países do bloco europeu buscam formas de combater a crescente crise econômica e começa a surgir a ideia de uma “bússola para a competitividade”, que terá seu primeiro passo no dia 26 de fevereiro, quando serão detalhadas propostas para “simplificar a vida das empresas e para uma indústria de baixo carbono”.

Surgem opiniões e declarações preocupantes: “o Green Deal foi a bíblia da Comissão. Esta bússola para a competitividade será a bíblia dos próximos cinco anos”, disse Peter Liese, eurodeputado alemão (União Democrata Cristã, CDU).

A tendência pode minar avanços regulatórios pró-sustentabilidade. A capacidade de reação da humanidade poderá ser mais lenta. Isso significa mais dificuldades para superação da crise, gerando mais impactos e sofrimento, especialmente para os mais pobres e vulneráveis.          

Outro elemento preponderante é a falta de paz. A instabilidade global gera reações armamentistas e exacerba o individualismo nas mesas de negociações, afastando o foco do clima, o maior e mais urgente problema humanitário. A solução para a adaptação climática e transição energética global está estimada em U$ 1,3 trilhão anuais. Enquanto isso, gastos com armamentos e exércitos globais somaram, em 2023, U$ 2,44 trilhões

Mais de uma centena de conflitos armados localizados estão em curso, vitimando milhares de vidas ao ano. Não bastasse a beligerância por poder, fronteiras, e convulsões internas, entre outros, o tom fanfarrão e beligerante de Donald Trump manifesta intenções expansionistas para o território norte-americano, apontando para o Canadá, Groelândia e Panamá. Sinaliza o retorno da postura imperialista, característica do século XIX, que notoriamente esbarra no direito internacional.         

A história nos conta muito a respeito de tais momentos de conflitos e inflexão da razão. Albert Einstein, preocupado com a situação de eminente novo conflito armado na Europa, escreveu em 1930 a Sigmund Freud perguntando sobre o porquê da guerra. Passados dois meses, Freud respondeu: “A transição da violência bruta para o reino da lei exige certa condição psicológica que deve primeiro prevalecer. A união da maioria deve ser estável e duradoura. Se sua única razão de ser for a derrota de algum indivíduo arrogante e, após sua queda, for dissolvido, isso não leva a nada. Algum outro homem, confiando em seu poder superior, procurará restabelecer o domínio da violência e o ciclo se repetirá indefinidamente”.

E concluiu: “O reconhecimento de uma comunidade de interesses gera entre os membros do grupo um sentimento de unidade e de solidariedade fraterna que constitui a sua verdadeira força”.

Nada melhor que a visão de unidade expressa por Freud para descrever o espírito do multilateralismo colaborativo que embalou o Acordo de Paris.

O quadro atual apresenta possibilidades colaterais. Acordos são especulados por setores econômicos, apontando a possibilidade de Trump e Xi Jimping avançarem para divisão do mundo de forma bilateral, assemelhado ao acordo político de Yelta  (1945) que selou, no pós II Guerra Mundial, a partilha do mundo entre capitalismo e comunismo.

Hoje todos os blocos ricos imagináveis, com exceção da Comunidade Europeia, apresentam forte viés mercantilista. O mundo, assim fatiado, sofreria influências extremamente agressivas para o meio ambiente.   

Em resumo, o cenário é de fragmentação. Há crescente isolamento das nações. Os sentimentos de perdas econômicas decorrentes de atividades predatórias ressurgem, associados à ambição política de plantão. De mãos dadas, caminham como backlash, voltado à insustentabilidade planetária.

Voltamos então às velhas equações e parâmetros civilizados que estão sendo colocados em xeque: os limites do crescimento sinalizados desde meados do século XX; as diferenças entre crescimento e desenvolvimento; as claras e diferentes dimensões entre Produto Interno Bruto (PIB) e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH); e o rompimento dos limites das alterações aceitáveis e tipping points de ecossistemas vitais em troca da acumulação de riquezas para poucas mãos.

Há de se considerar as preocupações climáticas externadas nas conclusões do Fórum Econômico Mundial de Davos, do último mês de janeiro. Revela a sensibilidade do setor econômico global para a questão climática, o que distancia a posição de Trump dos pleitos do setor econômico como um todo. Assim, Trump se apresenta isolado diante do contexto civilizatório.

Há e haverá mais oportunismo econômico nessa onda; também haverá potencialização para surgimento de novas lideranças. O Brasil deverá estar atento a isso, se quiser assumir definitivamente seu DNA natural de florestas e biodiversidade equatorial-tropical.

O verniz civilizatório é tênue. As forças que constantemente influenciam os bastidores das decisões econômicas e políticas saíram à luz. Ressurgem travestidas de falsos argumentos e palavras fáceis de falácias conspiratórias. O nacionalismo exacerbado, a busca inverossímil de culpados para limitações econômicas, a incitação ao ódio e fake news proliferam neste cenário evidente de sociopatia. 

Então concluímos: o backlash de Trump é revival de passado desregrado, que provocou também a atual estagnação da diplomacia climática e alimentou o negacionismo; potencializa a área de influência econômica de combustíveis fósseis e petroestados; busca retrocessos sociais e ambientais, estado de coisas que apresenta riscos para a área informação e comunicação, diante da influência negativa das empresas de tecnologia de comunicação (big techs).    

Estamos diante de jus sperneandi. O espernear dos que foram consignados, irremediavelmente, ao respeito às condições naturais que conformam o mundo e exigem, da sociedade humana, inexorável adaptação.  

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