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Valor de multas ambientais está desatualizado, diz superintendente do Ibama no RJ

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Valor de multas ambientais está desatualizado, diz superintendente do Ibama no RJ

Cinco mil reais por matar uma onça-parda (puma concolor). É esta a multa que a mulher que matou o animal no Piauí em dezembro do ano passado recebeu. O valor é considerado desatualizado por fiscais e técnicos do Ibama, assim como as penas de maus tratos a animais silvestres, que são bem menores em comparação a esses atos contra cães e gatos. 

O vídeo, viralizado em janeiro nas redes sociais, mostra uma mulher atirando em uma onça-parda que estava no alto de uma árvore. Após dois tiros, o animal cai da árvore e é atacado por cachorros. Três pessoas participam da cena: a autora dos disparos, o pai dela e a irmã, que filmou tudo. Os dois primeiros envolvidos foram multados em 20 mil reais pelo Ibama por maus tratos e por tirar a vida do animal. 

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As legislações que dispõem sobre as multas para animais silvestres são de 1998 e 2008. De acordo com o superintendente do Ibama no Rio de Janeiro, Rogério Rocco, os valores estão desatualizados, já que o teto de R$50 milhões no valor das multas estabelecido pela Lei de Crimes Ambientais não vale os mesmos R$50 milhões de 27 anos atrás. Segundo o superintendente, é necessário que haja uma revisão desses valores.

“Hoje a gente sabe que a sobrevivência humana está ameaçada por um modo de vida dos próprios seres humanos. Então, ao meu ver, não dá para seguir tratando alguns tipos de crimes ambientais como crimes de menor potencial ofensivo, que é o que temos de enquadramento hoje”, completou. 

Rogério explica que os crimes ambientais estão enquadrados como crimes de menor potencial ofensivo. Isso significa que a estrutura do direito trabalha para que os infratores não tenham que cumprir pena em regime fechado, salvo uma exceção muito peculiar. “A sensação de impunidade, em alguns casos, acaba servindo como estímulo à prática da conduta criminosa, porque se a pessoa percebe que as medidas de apuração e de responsabilização não têm efeito, ela vai continuar praticando. Então entendo sim que se deva aumentar os valores das multas e o tempo de duração das penas privativas de liberdade”, defende.

Discrepância de penas

Além dos valores de multas desatualizados, a legislação atual traz uma discrepância entre o tempo de pena a crimes contra animais silvestres e domésticos. Enquanto a pena para maus tratos a cães e gatos é de dois a cinco anos, para quem maltrata animais silvestres, como uma onça-parda, é de no máximo um ano. Para o chefe da Divisão de Fiscalização Ambiental do Ibama no Piauí, Adequis Monteiro, as penas deveriam ser equivalentes. “Não no sentido de que uma vida vale mais do que a outra, mas que tem que ser uma pena mais dura para esse tipo de crime com animais silvestres”, disse. 

Segundo ele, há uma necessidade de se ter um arcabouço jurídico mais rígido, até para que o trabalho dos órgãos ambientais seja mais efetivo. “Porque sem punição, sem pena para esse tipo de crime, o pessoal vai achar que não acontece nada. Eu não pago a multa, não acontece nada, não vou preso”, completou.

Para o deputado federal Nilto Tatto (PT/SP), a discrepância ocorre porque quem decide as leis tem suas preferências quando se trata de direitos aos animais. Segundo ele, quando se trata de maus tratos a animais silvestres, há resistências quanto a mudanças na legislação por grande parte do Centrão e da bancada ruralista, principalmente de setores que defendem a legalização da caça.  

“Há muitas lacunas para fazer com que aconteça a punição devida quando se trata de crimes na área ambiental, em especial quando ocorre em unidades de conservação e áreas públicas, como também crimes contra animais silvestres, É fundamental ter um aumento da pena e mais controle, mais punição quando se trata de animal, principalmente daqueles que estão na lista de animais em extinção”, disse Nilto Tatto. 

Há 4 meses, o governo federal enviou ao Congresso o Projeto de Lei 4000/24, que aumenta as penas para os crimes ambientais. No texto, a detenção por matar, caçar ou apanhar animais silvestres sem permissão é alterada de seis meses a um ano mais multa para de um ano a três anos, mais multa. A proposta aguarda parecer da Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais (CPOVOS) para seguir com a tramitação. Outros projetos sobre o assunto, como o PL 11210/2018 e o PL 1069/2022, também tramitam no Congresso. 

agencia camara

Processo não para no Ibama

Segundo Rogério Rocco, embora haja defasagem nos valores, parte da sensação de impunidade se deve ao fato de que a população leiga acha que o processo pela morte de um animal silvestre começa e termina no Ibama – que é responsável pelas ações administrativas –, mas o órgão é apenas um dos proponentes do sistema de responsabilidade. A família que abateu a onça-parda no Piauí, por exemplo, provavelmente responderá criminalmente pela morte do animal. 

“Muita gente atribuiu que seria um valor baixo em relação ao que aconteceu [o abatimento da onça-parda]. E isso registra naturalmente uma incompreensão ou uma compreensão parcial das pessoas sobre o nosso sistema de responsabilização por ações lesivas ao meio ambiente, que é um sistema tríplice. Em uma única infração ambiental, há três modalidades de responsabilização e cada uma tem uma fundamentação e uma justificativa”, explica Rocco. “Quando o Ibama, no caso da onça, conseguiu identificar e localizar os autores, viu que sua atribuição tinha (ações) aplicações administrativas, que é uma das três que formam esse tríplice quadro de responsabilizações. As infrações administrativas são punidas com multa (multa simples ou multa diária), mas também embargo, interdição, ou destruição de maquinário. No caso em questão, o Ibama aplicou multas (…), que são punições administrativas de natureza pecuniária. A pessoa vai pagar um valor como punição pela conduta que praticou. E o valor da multa é mais associado à condição econômica do infrator que ao bem ambiental atingido. Porque o objetivo da multa é punir, é fazer doer no bolso, mas em uma condição que o infrator possa pagar. Pois se você pega um infrator que é muito pobre e aplica uma multa de 10, de 20 mil reais, ele não vai pagar, porque ele não tem condições de pagar. E aí não adianta nada falar: “Ah, mas ele merecia essa multa”. Não, a multa tem que ser do tamanho da capacidade do infrator. Ele tem que ter capacidade de pagar aquela multa, senão ela não tem a desejada eficácia”, explica.

A multa também traz outras inconveniências para o infrator, como a inscrição na dívida ativa da União e, caso ele tenha algum bem, pode ocorrer uma ação de execução fiscal por parte do estado e ele perdê-lo para quitar essa dívida. “Mas se ele [o infrator] não tem patrimônio nenhum, não vai adiantar nada, porque não vai ter da onde tirar. Então, quando as pessoas [leigas] reclamam da multa que outras receberam, elas estão, na verdade, reclamando de outras prestações que não estão associadas à responsabilidade administrativa e sim à responsabilidade civil e à responsabilidade penal. Então as três que incidem são civil, penal e administrativa. A do Ibama é a administrativa”, explica.

A ação civil é de competência ampla e normalmente se dá quando há reparação a ser feita pelo crime praticado, como uma contaminação do solo. No caso da onça, explica Rocco, não há reparação a ser feita. “Como é que você repara uma vida, não, não tem reparação, não tem nenhuma técnica que você financie que vá conseguir ressuscitar o animal, então o animal morreu, a vida dele foi perdida”. 

Por fim, a ação penal, que é de competência privativa do Ministério Público e que deve ocorrer no caso da família do Piauí. Toda multa do Ibama é repassada ao MP para representar criminalmente o infrator. “E é somente através dela [ação penal] que vai se aplicar algum tipo de pena criminal aos três envolvidos no fato. Cada um na medida da sua culpabilidade, porque afinal eram uns três operando para matar a onça, mas apenas uma apertou o gatilho”, explica. 

Como o processo criminal demora mais, afinal é preciso abrir um inquérito e apurar, só se terá notícias sobre a responsabilização do caso daqui uns anos. “E as pessoas querem resposta imediata”, diz Rocco. “Prisão de infrator que mata uma onça dificilmente vai ocorrer, ou ao menos não antes do trânsito em julgado”, explica o superintendente. 

Multas após localização

A família envolvida no vídeo que viralizou nas redes em janeiro desde ano após a morte de uma onça parda foi multada pelo Ibama em janeiro deste ano. Tanto a autora do crime, Eula Pereira da Silva, quanto seu pai, Manoel Pereira da Silva, receberam um total de R$ 20 mil em multas. Já a irmã de Eula, Heliude Pereira da Silva, por não ter provas que esteve envolvida nos maus tratos ao animal, responde apenas pelo ato de gravar o ocorrido, com uma multa de R$ 5 mil. 

Eula Pereira mora no Rio de Janeiro e estava passando férias em Alto Longá, no Piauí, quando cometeu o crime no dia 16 de dezembro de 2024. A região contempla o bioma da Caatinga, local onde as onças-pardas  (Puma concolor) estão mais ameaçadas. 

À ((o))eco, Adequis Monteiro contou que tanto Eula quanto Manoel não estavam presentes na fazendo quando a equipe fez a primeira incursão no local, no dia 24 de janeiro. Segundo o fiscal, outros familiares estavam presentes e confirmaram a morte da onça e o envolvimento da família no caso. Adequis e a equipe deixaram, então, uma notificação a Manoel para que se apresentasse ao Ibama na segunda-feira (27).

No mesmo dia 24, o pai de Eula compareceu ao Ibama. Segundo o fiscal, havia contradições em seus depoimentos, quando comparados aos relatos dos familiares. Por exemplo, quando Manoel contou que o tiro era apenas para que o animal fugisse, e não para matar. “Mas o próprio vídeo demonstra o contrário, foram dois tiros ao invés de um e eles comemoraram a morte do animal. A onça caiu baleada e ele ainda bateu com pauladas no animal e incitou os cachorros a atacarem”, explicou Adequis.

Além disso, Manoel disse ao Ibama que suas criações de galinhas, porcos e bodes estavam sendo atacadas pela onça e que ele já tinha perdido uns 150 animais. No entanto, segundo Adequis, no final da entrevista perguntaram ao agricultor quantos ataques de onça já ocorreram no local e ele respondeu que aquele era o primeiro. 

A família responde por: praticar ato de abuso, ferindo uma onça-parda em atividade de caça irregular (R$ 3 mil), caçar uma onça-parda sem autorização do órgão ambiental competente (R$ 5 mil) e praticar maus-tratos a quatro cachorros utilizados na atividade de caça de onça (R$12 mil).