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Vice-governador do Rio publica decreto contra incêndios florestais fora do Diário Oficial

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Vice-governador do Rio publica decreto contra incêndios florestais fora do Diário Oficial

Um decreto publicado nesta sexta (28) pelo vice-governador do Rio de Janeiro, Thiago Pampolha (MDB), virou mais um capítulo do racha entre ele e o governador Cláudio Castro (PL). Isso porque o decreto não foi publicado no Diário Oficial do estado, mas sim na edição impressa do Jornal Extra de hoje. O texto, que trata da criação de um Comitê Permanente de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais no estado, é tratado como “urgente” por Pampolha, que acusa a secretaria de Casa Civil de “insubordinação” por não publicá-lo, em declaração dada ao colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo.

O decreto, que tem sua validade contestada pela forma da publicação, fora do Diário Oficial, prevê um órgão colegiado com participação das secretarias estaduais de Defesa Civil, Ambiente e Sustentabilidade, Agricultura, Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, Saúde, Educação e Segurança Pública; do Corpo de Bombeiros Militar do estado; da Subsecretaria de Comunicação da Casa Civil; do Departamento de Estradas de Rodagem (DER); da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Rio de Janeiro (EMATER); do Instituto Estadual do Ambiente (INEA); do Departamento de Recursos Minerais (DRM); e do Comando de Polícia Ambiental (CPAM).

O estado do Rio vive atualmente um aumento expressivo nos incêndios florestais – desde janeiro, a área atingida por queimadas no estado aumentou 360% em relação aos 6 primeiros meses do ano passado, segundo dados do INPE. Neste mês, o Parque Nacional do Itatiaia foi atingido por um incêndio que consumiu 300 hectares de vegetação. Pampolha, como mostramos em março, foi demitido do cargo de secretário estadual de Ambiente e Sustentabilidade após Castro desconfiar que ele pretendia substituí-lo, num contexto de denúncias de corrupção contra o governador e troca de partido de Pampolha.

Incêndio no Parque Nacional de Itatiaia. Foto: ICMBio

O vice-governador tenta publicar o decreto desde maio, quando assumiu a cadeira enquanto Castro foi aos EUA em viagem oficial. Conforme processo no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) estadual, a assessoria jurídica da Secretaria de Estado da Casa Civil atestou a constitucionalidade do decreto no dia 17 de maio, recomendando apenas “adequação formal” ao manual de redação oficial do estado. Este foi o último ato antes de Castro retornar de viagem.

Nos últimos dias, após o governador ir a Portugal para participação no Fórum Jurídico de Lisboa – evento organizado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, e encerrado nesta sexta (28) –, houve nova tentativa. Após parecer emitido nesta terça (25) pela Secretaria de Estado de Ambiente e Sustentabilidade, Pampolha atualizou a redação do decreto para incluir a presidência do comitê – que deverá ser exercida pela Defesa Civil estadual – e que suas normas serão definidas por regimento interno. Além disso, a nova redação explicita que a participação de seus membros não será remunerada. 

A Casa Civil ainda encaminhou, na segunda (24), o decreto para análise do Instituto Estadual do Ambiente (INEA) e do Corpo de Bombeiros Militar do estado. Além disso, o Procurador-Geral do Estado, Renan Miguel Saad – também subordinado de Castro – pediu, nesta quinta (27), para analisar a minuta do decreto devido à sua “sensibilidade e transversalidade”.

A demora na publicação, porém, irritou Pampolha. Em ofício enviado na quarta (26) para Marco Simões, chefe de gabinete do secretário estadual de Casa Civil, Nicola Miccione – que está em viagem junto a Castro –, o governador em exercício determinou que o decreto fosse publicado “impreterivelmente e improrrogavelmente”, e que “o não cumprimento desta determinação, incorrerá nas medidas administrativas e demais cabíveis para todos os servidores da Casa Civil, que têm a delegação de prover a publicação em Diário Oficial”. A pasta respondeu a Pampolha no dia seguinte, afirmando que o processo estava sob análise do procurador-geral.

Após todo esse imbróglio, Pampolha publicou o decreto na edição impressa do Jornal Extra. Procurado por ((o))eco, o governador em exercício afirmou (íntegra das respostas abaixo) que, com a publicação no jornal, considera o decreto “plenamente válido” e que “não existe lei que obrigue a publicação especificamente na imprensa oficial”. Para ele, houve “recusa por parte da Casa Civil para a publicação do decreto sem nenhuma justificativa plausível”.

Segundo Pampolha, os incêndios florestais tem sua resposta dificultada pois “os órgãos e secretarias envolvidos no tema trabalham de forma individualizada”, e que o decreto seria “fundamental” para resolver essa situação com “ações práticas e efetivas de controle, comando, inteligência e respostas rápidas aos incêndios”. Perguntado se considera que o rompimento com Castro tenha gerado algum tipo de boicote a ele, Pampolha afirmou que “lamenta que divergências políticas prevaleçam sobre o interesse coletivo”. A Casa Civil estadual também foi procurada pela reportagem, e o espaço segue aberto para a resposta.

A validade do decreto, porém, é contestada por especialista consultado por ((o))eco. Segundo o advogado Antônio Carlos de Freitas Junior, mestre em Direito Constitucional pela USP, lembrou que a lei estadual 3158/98 obriga a “publicação, no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, dos atos oficiais de informações objetivas de interesse coletivo”, e prevê que “serão considerados nulos de pleno direito os atos que transgredirem as normas exigidas nesta Lei”. A reportagem pediu um posicionamento da assessoria de Pampolha sobre o conflito com essa lei e aguarda resposta.

“Se você tem um funcionário público que não cumpre um dever de ofício, isso é um crime. Não é que você vai publicar num jornal de grande circulação como se fosse equivalente. Você precisa fazer uma denúncia, você precisa chamar o Ministério Público para que ele faça toda a persecução penal pelo crime de prevaricação”, afirmou Freitas Junior. “Se é verdadeiro o fundamento dessa notificação, estamos encarando o crime de prevaricação, contido no Código Penal”, completou o advogado.

Íntegra do decreto publicado no Jornal Extra de 28/06/2024

DECRETO Nº 49.167, DE 27 DE JUNHO DE 2024 

Íntegra do decreto. Fonte: Edição impressa do Jornal Extra

INSTITUI O COMITÊ PERMANENTE DE PREVENÇÃO E COMBATE AOS INCÊNDIOS FLORESTAIS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. 

O GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, EM EXERCÍCIO, no uso de suas atribuições constitucionais, legais e o constante no Processo nº SEI-160001/000077/2024, e CONSIDERANDO: 

– o histórico de incêndios florestais e perda de biodiversidades decorrentes desses eventos; – os prejuízos econômicos, em especial, na agricultura no Estado causados pelos incêndios; – os desastres naturais e ocorridos no Estado nos últimos anos, muitos deles agravados por áreas afetadas por incêndios; 

– a necessidade de coordenação e articulação entre as instituições que compõem a estrutura do Governo do Estado, visando delinear as ações de prevenção e combate aos incêndios florestais para a minimização de seus efeitos desastrosos, preservando a população e restabelecendo a normalidade social. 

DECRETA: 

Art. 1º – Fica instituído o COMITÊ ESTADUAL DE PREVENÇÃO E COMBATE AOS INCÊNDIOS FLORESTAIS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, com a missão de articular e facilitar a prevenção e o combate aos incêndios florestais no território fluminense. 

Art. 2º – O COMITÊ ESTADUAL DE PREVENÇÃO E COMBATE AOS INCÊNDIOS FLORESTAIS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO será composto pelas seguintes instituições: 

i. Secretaria de Estado de Defesa Civil; 

ii. Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade; 

iii. Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento; 

iv. Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos; 

v. Secretaria de Estado de Saúde; vi. Secretaria de Estado de Educação; 

vii. Secretaria de Estado de Segurança Pública; 

viii. Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro – CBMERJ; 

ix. Subsecretaria de Comunicação da Casa Civil; 

x. Departamento de Estradas de Rodagem-DER; 

xi. Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Rio de Janeiro – EMATER; 

xii. Instituto Estadual do Ambiente – INEA; 

xiii. Departamento de Recursos Minerais – DRM; 

xiv. Comando de Polícia Ambiental – CPAM; 

Parágrafo único – Poderão integrar o COMITÊ ESTADUAL DE PREVENÇÃO E COMBATE AOS INCÊNDIOS FLORESTAIS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO órgãos públicos de outras unidades federativas ou instituições privadas que tenham pertinência com o objeto. 

Art. 3º – Será atribuição desse comitê, criar o Plano Estadual de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais – PEPCIF para todo o território fluminense, como norteador institucional de auxílio e prevenção aos incêndios florestais. 

Art. 4º – As estruturas do Governo do Estado, deverão se adequar administrativamente para cumprir as atribuições sugeridas pelo PEPCIF. 

Art. 5º – O PEPCIF deverá ser atualizado anualmente, para que se mantenha em conformidade com as demandas geradas e para a adesão de novos órgãos governamentais ou não governamentais, caso necessário. 

Parágrafo único – As atualizações do PEPCIF, após validação do Comitê, serão divulgadas pelo Sistema Estadual de Proteção e Defesa Civil por ato do Secretário de Estado de Defesa Civil e Comandante Geral do CBMERJ. 

Art. 6º – O comitê Permanente de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais, será presidido pela Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro – SEDEC, ficando também responsável pela coordenação e articulação com membros do Comitê para atuação quanto da ocorrência de desastres ou em medidas preventivas para evitá-los. 

Art. 7 º – O órgão que terá competência para regulamentar o Decreto é a Secretaria de Estado da Casa Civil. 

Art. 8 º – As normas de organização e funcionamento do Comitê serão definidas pelo seu regimento interno, a ser aprovado pelo Plenário. 

Art. 9º – A participação no Comitê não será remunerada, sendo considerada de relevante interesse público. 

Art.10º – Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. 

Rio de Janeiro 27 de junho de 2024 

THIAGO PAMPOLHA 

Governador em Exercício

Íntegra das respostas de Pampolha

((o))eco: Com a publicação em jornal de grande circulação, o decreto pode ser considerado em vigor?

Sim, está plenamente válido. Não existe lei que obriga a publicação especificamente na imprensa oficial, trata-se apenas de um instrumento convencional e mais comum para publicação de atos administrativos públicos. O decreto é considerado válido a partir do momento que ganha notória publicidade em cumprimento ao princípio constitucional. A utilização de veículo de grande circulação, como o caso do jornal Extra que tem uma tiragem até maior do que a do Diário Oficial, atende plenamente a intenção do constituinte.

O Art. 37 da Constituição Federal determina: para ser válido, o ato precisa atender ao princípio da publicidade. A publicação no jornal  Extra foi o caminho encontrado diante da recusa em publicá-lo no Diário Oficial. Sendo assim, Thiago Pampolha, governador em exercício, respeitou integralmente o princípio da publicidade estabelecido na Constituição e o decreto é totalmente válido. 

A Casa Civil se recusa a publicar o decreto? Por qual motivo?

Sim, houve uma recusa por parte da Casa Civil para a publicação do decreto sem nenhuma justificativa plausível. Ainda que houvesse justificativa minimamente razoável seria totalmente inócua diante da determinação expressa, indiscutível e improrrogável do governador, uma vez que o mesmo deixou claro sua intenção de publicação impreterivelmente no dia determinado exigido em seu despacho. 

O imbróglio, mesmo se o decreto for considerado válido, pode prejudicar a prevenção e combate a incêndios florestais no estado?

A publicação do decreto que cria o Comitê de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais no Estado do Rio de Janeiro é um passo crucial para otimizar e integrar as ações de prevenção e combate às queimadas. Atualmente, os órgãos e secretarias envolvidos no tema trabalham de forma individualizada, o que dificulta uma resposta eficiente e coordenada aos incêndios florestais.

O decreto é um instrumento fundamental para alinhar e potencializar os esforços de diversas entidades, promovendo um trabalho conjunto que visa resultados mais eficazes na preservação ambiental. Com a criação do comitê, será possível implementar ações práticas e efetivas de controle, comando, inteligência e respostas rápidas aos incêndios, além de fortalecer a cooperação entre as diferentes áreas do governo.

Por ter sido secretário do Ambiente e Sustentabilidade, Thiago Pampolha entende profundamente a necessidade e a importância de uma abordagem integrada e coordenada para enfrentar esse desafio. Ele reconhece que o decreto é apenas o primeiro passo, mas um passo essencial para garantir que o Estado do Rio de Janeiro esteja preparado para responder de forma rápida e eficaz aos incêndios florestais, protegendo tanto o meio ambiente quanto a população fluminense.

Este decreto representa uma mudança significativa na gestão ambiental do estado, proporcionando a base necessária para que ações preventivas e de combate sejam mais organizadas e eficientes. A integração dos órgãos responsáveis e a utilização de inteligência estratégica são fundamentais para minimizar os impactos das queimadas e promover a sustentabilidade ambiental a longo prazo.

O vice-governador considera que o rompimento com o governador Cláudio Castro gera algum tipo de boicote a ele?

Thiago Pampolha lamenta que divergências políticas prevaleçam sobre o interesse coletivo e enfatiza que todos os esforços políticos devem focar no desenvolvimento do estado, segurança ambiental e bem-estar da população.