A tentativa de publicação de um decreto que cria um comitê de combate e prevenção a incêndios florestais segue causando desentendimentos no governo do Rio de Janeiro. Após o vice-governador Thiago Pampolha (MDB) – que ocupava a cadeira de governador durante viagem do titular Claudio Castro (PL) – publicar o decreto no jornal Extra da última sexta (28), alegando que a Casa Civil se recusava a publicá-lo no Diário Oficial, foi a vez dele subir o tom contra Patrícia Damasceno, presidente da Imprensa Oficial do estado.
Pouco tempo após responder, às 20:32 de sexta, um questionamento feito por ((o))eco sobre a validade de um decreto publicado em um jornal privado – quando afirmou que a lei estadual 3153/98, que obriga a publicação de atos oficiais no Diário Oficial, dá um prazo de 30 dias para esta publicação, e que “caso a Casa Civil não cumpra até o prazo final, conforme determina a lei, cabe acionar judicialmente a mesma para que seja compelida a fazer” –, Pampolha passou a pressionar imediatamente a responsável pelo Diário Oficial fluminense.
Ainda no mesmo dia, às 21:57, o vice-governador encaminhou um ofício a Patrícia Damasceno, presidente da Imprensa Oficial do estado, onde determina a publicação do decreto em edição extra do Diário Oficial naquele mesmo dia, “impreterivelmente e improrrogavelmente”. No documento, Pampolha afirmou que “o não cumprimento desta determinação incorrerá nas medidas administrativas e demais cabíveis para todos os servidores envolvidos, que têm a delegação de prover a publicação em Diário Oficial”, anexando trechos da Constituição Estadual – no artigo que trata da competência do governador para expedir decretos – e da Lei de Improbidade Administrativa – no artigo sobre “negar publicidade aos atos oficiais”.
Ainda na mesma noite, segundo a coluna de Lauro Jardim no Jornal O Globo, o então governador em exercício oficiou a Procuradoria-Geral do Estado – que, como informamos na sexta, pediu para analisar autos do processo que trata do decreto na quinta-feira (27), o que foi utilizado pela Casa Civil estadual para justificar a não-publicação no Diário Oficial – para que entrasse com mandado de segurança contra Patrícia Damasceno, para que ela seja obrigada judicialmente a publicar o decreto.
De acordo com a coluna, Pampolha afirmou, no ofício à PGE, que Damasceno, “de modo deliberado e consciente, deixou de publicar decreto inadiável, de relevância ambiental, sob pífio argumento de que a Casa Civil é quem deteria a competência de encaminhar para publicação, não obstante a objetiva e direta ordem”. O prosseguimento da ação que o vice-governador pede depende do procurador-geral do estado, Renan Miguel Assad – subordinado do governador Cláudio Castro, que está rompido com Pampolha desde o início do ano.
No dia seguinte – sábado (29) –, Castro retornou de viagem a Lisboa, onde participou de evento organizado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, reassumindo o posto de governador. Pampolha voltava ao cargo de vice sem conseguir publicar o decreto, assim como aconteceu em maio, durante viagem de Castro aos EUA – é desta época o início do processo de criação do decreto, de acordo com dados do Sistema Eletrônico de Informações (SEI) estadual.
Na noite de sábado, às 21:14 – e após o fim do prazo dado por Pampolha, que já não era mais governador àquela altura –, Damasceno pediu à Divisão de Produção do Diário Oficial (DIVDOI) para que verificasse se a matéria foi protocolada por meio do sistema de envio de documentos oficiais (e-Dofs), meio que é, segundo ela, exclusivo para envio de publicações. A resposta da DIVDOI, enviada 17 minutos depois, foi negativa.
Diante disso, a presidente da Imprensa Oficial do estado enviou ofício ao governador Cláudio Castro, ao secretário da Casa Civil, Nicola Miccione, e ao Procurador-Geral do Estado, Renan Miguel Saad, para prestar “esclarecimentos” sobre a não publicação do decreto, apesar da determinação de Pampolha. Segundo ela, a presidência da Imprensa Oficial não tem “meios técnicos” para publicar documentos enviados pelo SEI, “já que toda operacionalização do DOERJ depende do envio direto via sistema [e-Dofs]” – processo que, de acordo com Damasceno, é “de conhecimento público e de todo governo”, e que ela própria teria orientado a equipe de Pampolha sobre isso.
A presidente da Imprensa Oficial, então, passa a subir o tom contra Pampolha, afirmando que “rechaça toda e qualquer forma de desqualificar o trabalho sério de uma instituição quase centenária como a Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro”, criticando ainda o fato de ter sido “nominalmente citada em veículo jornalístico” por ter, segundo Pampolha, se negado a publicar o decreto.
“Como titular desta empresa pública apenas cumpri meu papel institucional, e de forma alguma, promovi qualquer obstrução à publicação do decreto estadual em comento, que só não se efetivou pela falta de envio da matéria pela via oficial e técnica (sistema e-Dofs). Logo, não houve qualquer óbice ao cumprimento da determinação do Poder Executivo, que não ocorrera por ausência de atendimento de critérios legais e técnicos”, conclui Damasceno.
Com mais esse capítulo da saga do rompimento entre Castro e Pampolha – que começou após Castro desconfiar que seu vice estaria se preparando para substituí-lo, após ele trocar o União Brasil pelo MDB em meio a denúncias de corrupção contra o governador –, não fica claro como Castro lidará com a questão. A reportagem entrou em contato com a assessoria do governo do estado para saber se o governador pretende dar prosseguimento ao processo de publicação do decreto no Diário Oficial e, ainda, se o considera válido. Ainda aguardamos resposta. Os incêndios florestais no RJ, vale lembrar, tiveram um aumento de 360% nos primeiros 6 meses do ano, segundo dados do INPE.
A validade do decreto é alvo de controvérsia, como mostramos na sexta. Enquanto Pampolha o considera plenamente válido, já que foi “a única forma” de publicação em meio à “recusa” da Casa Civil de publicá-lo, atendendo ao princípio constitucional da publicidade, um especialista ouvido por ((o))eco, o advogado constitucionalista Antônio Carlos de Freitas Junior, afirmou que a lei estadual não permite a publicação de atos oficiais fora do Diário Oficial. Segundo Freitas Junior, o caminho deveria ser o de denunciar uma possível prevaricação de agentes públicos que estivessem se negando a cumprir um dever de ofício.