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De Brodowski para ONU: Candido Portinari “estaciona” no metrô de SP

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São Paulo — Urubu. Caveira de boi. E três espantalhos em primeiro plano. Desamparados e largados no tempo. Seria o homem um espantalho? A reprodução da tela Espantalhos (1940), de Candido Portinari, o “pintor de Brodowski”, está entre as cópias de obras expostas na estação Higienópolis-Mackenzie da Linha 4-Amarela do metrô, onde a “Parada Portinari” acontece até dezembro de 2024. Por ali, costumam passar cerca de 30 mil passageiros por dia. Nas portas dos vagões, destaque para “O lavrador de café”.

Candido Portinari, “o pintor do povo”, nasceu numa fazenda de café, perto do pequeno povoado de Brodowski, no interior de São Paulo. Filho de imigrantes italianos, começou a pintar aos 9 anos. E, do cafezal ao mural “Guerra e Paz”, exposto na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), tornou-se um dos maiores pintores de todos os tempos.

João Candido, seu filho, conversou com o Metrópoles sobre as 400 obras autenticadas que entrarão, ainda este ano, no catálogo do artista, e os novos projetos em andamento, como a série de selos dos Correios com obras desaparecidas do pintor.

Problematizando o raisonné

Seu catálogo raisonné é considerado um exemplo no mercado e levou 25 anos para ficar pronto. Foi o primeiro raisonné de um artista em toda a América Latina e completa exatamente 20 anos em 2024.

Do francês, o ‘catalogue raisonné’ é como um inventário, o mais completo possível, da obra de um artista. Cada obra vem acompanhada de informações checadas e precisas: tamanho, técnica, localização, data, coleção. Há também informações sobre seu percurso: proprietários, exposições que passou, documentos. Discute-se também autenticidade, atribuições e, alguns, incluem listas de obras duvidosas ou falsas.

Há os que defendem que mais catálogos raisonné sejam produzidos e atualizados. Há os que defendem que o raisonné não é suficiente para aferir autenticidade de obras de pintores consagrados. Para muitos peritos, eles são guias para falsificadores.

Douglas Quintale, perito científico em análises de obras de arte, defende que um raisonné deveria ser algo objetivo, não “rasionado”, e completo. Muitas galerias, na hora de vender um quadro, usam o catálogo para demonstrar a autenticidade de uma obra.

Neste momento, Quintale lida com um caso complexo que explodiu na SP-Art, maior feira de arte da América Latina, em abril de 2024. No primeiro dia da feira, uma tela surgiu de uma mala no estande da galeria OMA. Apresentada pela imprensa como um Tarsila do Amaral nunca visto, lembrava um rascunho suspeito da tela O Pescador (1925). Mas os cactos, frequentes nas obras de Tarsila, pareciam muito aleatórios naquele cenário. Em 1925, Tarsila inseria figuras humanas em seus trabalhos. Não era o caso ali. Entre peritos, galeristas e estudiosos da sua obra, só se falou disso. Com o burburinho, o escândalo tomou dimensão no dia seguinte e ganhou a mídia nacional e internacional.

Foi quando os herdeiros de Tarsila deram uma reviravolta no processo de autenticação de obras da artista. Até então, o processo era feito por um comitê que foi dissolvido após um racha familiar. Saiu Tarsilinha do Amaral e entrou Paola Montenegro, agora responsável por modernizar a imagem da artista e tomar decisões envolvendo o legado da sua obra. E foi neste cenário que Paola deu um golpe de mestre ao contratar o perito. A mensagem ficou clara no mundinho: a ciência resolveria, não os herdeiros.

Coisa boa sempre será copiada

Portinari e Tarsila estão entre os artistas mais copiados e falsificados do Brasil. A reportagem encontrou uma obra de Tarsila possivelmente falsificada à venda numa galeria online com certificado e tudo. E não precisa ser um perito para encontrar obras suspeitas em galerias online. Procurada, a galeria não respondeu.

“É mais fácil falsificar um certificado que uma assinatura, concorda?!”, provocou um galerista que preferiu não se identificar. “Coisa boa sempre será copiada. E sempre se copiou muito. Mas falsificar e vender como autenticada é diferente”, explicou. Tarsila não pintou tantas telas – cerca de 250 – mas muitos desenhos. Muitos deles não estão no catálogo e, por isso, são objetos de disputas judiciais no TJSP.

Um colecionador paulista que prefere não se identificar aponta outro problema. “Só se vende e autentica o que está no catálogo? Isso gera um monopólio, concorda? E sempre existiram falsificações que são cópias servis de obras originais e catalogadas”. Max Perlingeiro, curador e galerista, defende um investimento maior em catálogos para resguardar o mercado. Ele destaca o raisonné Portinari, um dos artistas mais prejudicados pelas falsificações no país, como referência.

Max, figura respeitada no mundo da arte, não é o único a elogiar os Portinari. “São muito estudiosos. É outro nível. Ele [João] criou um sistema para reconhecer constelações de pinceladas em museus e os museus não aceitaram. O motivo é óbvio”, contou o galerista ao sugerir que boa parte parte dos acervos de museus conta com obras falsas ou de autenticação errônea. “Perderiam milhões”, afirmou uma fonte.

O que nos leva de volta à ‘estação’ de partida

João Candido, filho de Candido Portinari, é matemático, Ph.D, M. Sc. pelo Massachusetts Institute Of Technology (MIT – 1966) e um dos fundadores do Depto. de Matemática da PUC-Rio, do qual foi diretor. Atualmente, é Diretor-Geral do Projeto Portinari, Presidente da Associação Cultural Cândido Portinari e Presidente da Portinari Licenciamentos.

João afirma que as falsificações de obras do pai diminuíram muito desde o lançamento do raisonné. “É um instrumento muito poderoso”. Mas concorda que o catálogo não impede que falsificações circulem e obras potencialmente autênticas desconhecidas apareçam.

Para autenticações de obras que surgem, João conta com uma equipe multidisciplinar composta por restauradores, marchands e peritos. Ao Metrópoles, contou que já chegou a receber uma visita a cada semana pedindo autenticação de obra. “Maioria delas é falsa”.

De lá pra cá, 400 obras do artista foram autenticadas. É muita coisa, mas Candido Portinari foi um pintor prolífico, juntando mais de 5 mil obras de arte. Vão de pequenos esboços a grandes murais em escala. Uma coleção de selos foi lançada recentemente pelos Correios com telas desaparecidas. “Pode ser que você tenha um Portinari em casa e não saiba”, disse João.

Enquanto você procura, pessoas possivelmente embarcam e desembarcam na estação Mackenzie Higienópolis. Alguns deles param para observar as reproduções do mural “Guerra e Paz” nas paredes do corredor da estação.  Outros, apressados, sobem a escada rolante pelo lado esquerdo.

Em 1956, a Organização das Nações Unidas pediu que seus países-membros doassem uma obra de arte à nova sede da ONU. O Brasil contou com Portinari, que levou quatro anos para completar o mural chamado Guerra e paz. A peça de duas partes ilustra agonia, medo e dor. É a Guerra. Na saída do prédio em Nova York, veem a Paz.

Na estação do metrô, em São Paulo, também existe paz. Uma paz em movimento. E não está somente na arte de Portinari, que revela muito da alma brasileira. Está na grande mistura de gente de lugares distintos e histórias distintas que se cruzam enquanto tentam chegar em outra estação na maior cidade do país.

Fonte: Oficial